maio 26, 2007

O Roupão - Mario Prata

Não sou muito fã de postar textos no blog. Pois, se você sabe do que se trata, pode ir direto no site oficial e ler este e outros tantos. Mas e se você não conhece o escritor? Como poderia conhecer se alguém não o apresentasse? Sim, é verdade. Mas como meu intuito é dar minha opinião, não seria prudente colocar um texto de outro autor se não fosse por algum motivo. O motivo de hoje é rir. Somente esse. Li este texto abaixo em 1998. Está tão vivo na minha memória como se fosse hoje. Têm outros tantos da mesma época, publicados no jornal O Estado de São Paulo, todas às quartas-feiras. Eu até guardei as tiras de jornal. Ficaram guardadas por anos. Foram ficando cada vez mais amarelas. Muitas eu digitei e até fiz um site. Mas sempre achei especial este texto. Foi publicada em 19 de agosto de 1998, na revista Isto É.

O Roupão

Por Mário Prata

Me lembro bem da primeira vez. Eu terminei o banho, era de manhã, umas onze, sábado. Uma calça moleton, tênis, camiseta e, por cima, o roupão. Roupão branco, mangas largas, abaixo do joelho, cinto amarrado. Branco como bundinha de nenê. Na altura do peito esquerdo o logotipo do São Pedro, Spa-Médico. Me sentia bem, muito bem, com o roupão.

Foi lá, no spa, que eu comecei a usar roupão. Gostei. O roupão passou a ser, para mim, uma espécie de símbolo da liberdade, uma ajuda à auto-estima. Além do conforto, denotava limpeza, banho-tomado, pureza, estar de bem com a vida. Branco. Branquinho.

Pois então era sábado e lá estava eu aqui na frente do computador, a jogar paciência, tentando uma idéia. Reinaldo e Mateus me ligam e convidam para tomar umas antes da feijojada na casa do Mateus.

Quando ia tirar o roupão, resolvi não tirar. Estava gostoso, cômodo, macio. O clima estava para roupão. Olhei pela janela. Era um céu que pedia, implorava roupão. Qual é o problema de ir de roupão até à casa de um amigo? Tirei a camiseta. Só de roupão. No sinal, uma senhora, peruíssima, me olhou meio de lado, balançou a cabeça oxigenada. E daí? A garotinha que ia me pedir uma moedinha até desistiu. Quando cheguei, o Reinaldo e o Mateus se entreolharam. Um disse:

- Eu sabia que esse negócio de parar de beber não ia dar certo.

O outro:

- Quer dar, fala logo.

Defendi o roupão e o uso dele:

- Qual é o problema? Qual é o escândalo? Estou feio? Estou indecente? Estou atentando contra o pudor, a moral e os bons costumes? Me digam, qual é o problema?

Depois chegaram as esposas Marta e Sylvia e os comentários foram mais ou menos iguais. Só a Maria, minha afilhada, filha do Mateus e da Sylvia, que gostou:

- Legal, meu.
A partir desse dia resolvi assumir o roupão como uso diário. Para quem olhava enviezado, ia dando as minhas explicações:

- Olha o conforto. Olha o tamanho dos bolsos. Cabe tudo, ouve-se o celular. Olha as mangas. Posso usar curta e comprida. O peito: aberto e fechado. Quer saber de uma coisa? É o traje ideal para o outono numa cidade como São Paulo.

Meu filho pedia para eu não chegar da rua de roupão quando tinha amigos dele em casa. Mas como é que eu ia saber se tinha amigo dele em casa, quando voltava? Minha filha, de Londres, manda um e-mail: verdade, pai?

Comprei mais uns três ou quatro. Comecei a usar roupão o dia inteiro.

Até que fui ao cinema. De roupão. O porteiro não queria me deixar entrar. É proibido entrar de roupão. Impossível ter uma lei dessas, eu disse. O roupão está sujo? Qual é o problema? O senhor já de convir... Chama o gerente.

- Sou jornalista. Vou fazer um escândalo. Vou rodar o roupão! Olha aquele cara de bermuda. Bermuda pode? Onde é que está escrito que não pode entrar no cinema de roupão? Quero ver a lei. A lei!

- O senhor há de convir...

- Não vou convir porra nenhuma!

Entrei. A sessão não havia começado. Todo mundo olhando para mim. Ou melhor, para ele, o meu inocente roupão.

No jogo de futebol não teve problemas. Mas, no restaurante, deu galho. De novo o gerente, aquela pequena autoridade. As pessoas que entravam olhavam a discussão ali na porta.

- O problema é que vai todo mundo ficar olhando para o senhor.

- E daí? A Adriane Galisteu tá lá dentro e tá todo mundo olhando para ela. E ela não está de roupão. E daqui dá para ver o peito dela. Muito bonito, por sinal. Chama o chefe do gerente. Chama o seu Rubayat!

Deixaram entrar. Os garçons davam risinhos disfarçados. Eu lá, firme, de roupão.

Tive que ir dar uma entrevista no Jô. Não sobre o roupão, mas sobre o meu novo livro (Minhas Vidas Passadas, já a venda nas boas casas do ramo). Fui de roupão, claro. Claro que a entrevista foi muito mais sobre o roupão do que sobre o livro. O Jô até sugeriu que eu escrevesse um livro novo: Os Anjos de Roupão.

Agora, além da família, dos amigos, dos vizinhos, o Brasil inteiro a comentar o fato deu usar roupão. Foi aí que o fato se deu. Outro dia fui ao teatro e vi: tinha um sujeito de roupão. E não era personagem da peça, não. Público e notório. Nos cumprimentamos, cúmplices. Uma delícia, foi o comentário dele.

Ai comecei a notar o aumento de pessoas de roupão nas ruas, nos bares. Eles conversavam entre eles. O quente era usar roupão roubado de hotel ou spa, com logotipo.
Até que, outro dia, entrei num restaurante finíssimo e tinha dois iupes no balcão a tomar vodka. Os dois de roupão.

Um dizia para o outro:

- Francês. Hotel George V.

E o outro:

- Mas xadrez, como o meu, você nunca tinha visto, né?

Voltei para casa e pendurei o meu roupão. Nunca mais usei roupão.

Odeio andar na moda.

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