O Roupão
Por Mário Prata
Me lembro bem da primeira vez. Eu terminei o banho, era de manhã, umas onze, sábado. Uma calça moleton, tênis, camiseta e, por cima, o roupão. Roupão branco, mangas largas, abaixo do joelho, cinto amarrado. Branco como bundinha de nenê. Na altura do peito esquerdo o logotipo do São Pedro, Spa-Médico. Me sentia bem, muito bem, com o roupão.
Foi lá, no spa, que eu comecei a usar roupão. Gostei. O roupão passou a ser, para mim, uma espécie de símbolo da liberdade, uma ajuda à auto-estima. Além do conforto, denotava limpeza, banho-tomado, pureza, estar de bem com a vida. Branco. Branquinho.
Pois então era sábado e lá estava eu aqui na frente do computador, a jogar paciência, tentando uma idéia. Reinaldo e Mateus me ligam e convidam para tomar umas antes da feijojada na casa do Mateus.
Quando ia tirar o roupão, resolvi não tirar. Estava gostoso, cômodo, macio. O clima estava para roupão. Olhei pela janela. Era um céu que pedia, implorava roupão. Qual é o problema de ir de roupão até à casa de um amigo? Tirei a camiseta. Só de roupão. No sinal, uma senhora, peruíssima, me olhou meio de lado, balançou a cabeça oxigenada. E daí? A garotinha que ia me pedir uma moedinha até desistiu. Quando cheguei, o Reinaldo e o Mateus se entreolharam. Um disse:
- Eu sabia que esse negócio de parar de beber não ia dar certo.
O outro:
- Quer dar, fala logo.
Defendi o roupão e o uso dele:
- Qual é o problema? Qual é o escândalo? Estou feio? Estou indecente? Estou atentando contra o pudor, a moral e os bons costumes? Me digam, qual é o problema?
Depois chegaram as esposas Marta e Sylvia e os comentários foram mais ou menos iguais. Só a Maria, minha afilhada, filha do Mateus e da Sylvia, que gostou:
- Legal, meu.
A partir desse dia resolvi assumir o roupão como uso diário. Para quem olhava enviezado, ia dando as minhas explicações:
- Olha o conforto. Olha o tamanho dos bolsos. Cabe tudo, ouve-se o celular. Olha as mangas. Posso usar curta e comprida. O peito: aberto e fechado. Quer saber de uma coisa? É o traje ideal para o outono numa cidade como São Paulo.
Meu filho pedia para eu não chegar da rua de roupão quando tinha amigos dele em casa. Mas como é que eu ia saber se tinha amigo dele em casa, quando voltava? Minha filha, de Londres, manda um e-mail: verdade, pai?
Comprei mais uns três ou quatro. Comecei a usar roupão o dia inteiro.
Até que fui ao cinema. De roupão. O porteiro não queria me deixar entrar. É proibido entrar de roupão. Impossível ter uma lei dessas, eu disse. O roupão está sujo? Qual é o problema? O senhor já de convir... Chama o gerente.
- Sou jornalista. Vou fazer um escândalo. Vou rodar o roupão! Olha aquele cara de bermuda. Bermuda pode? Onde é que está escrito que não pode entrar no cinema de roupão? Quero ver a lei. A lei!
- O senhor há de convir...
- Não vou convir porra nenhuma!
Entrei. A sessão não havia começado. Todo mundo olhando para mim. Ou melhor, para ele, o meu inocente roupão.
No jogo de futebol não teve problemas. Mas, no restaurante, deu galho. De novo o gerente, aquela pequena autoridade. As pessoas que entravam olhavam a discussão ali na porta.
- O problema é que vai todo mundo ficar olhando para o senhor.
- E daí? A Adriane Galisteu tá lá dentro e tá todo mundo olhando para ela. E ela não está de roupão. E daqui dá para ver o peito dela. Muito bonito, por sinal. Chama o chefe do gerente. Chama o seu Rubayat!
Deixaram entrar. Os garçons davam risinhos disfarçados. Eu lá, firme, de roupão.
Tive que ir dar uma entrevista no Jô. Não sobre o roupão, mas sobre o meu novo livro (Minhas Vidas Passadas, já a venda nas boas casas do ramo). Fui de roupão, claro. Claro que a entrevista foi muito mais sobre o roupão do que sobre o livro. O Jô até sugeriu que eu escrevesse um livro novo: Os Anjos de Roupão.
Agora, além da família, dos amigos, dos vizinhos, o Brasil inteiro a comentar o fato deu usar roupão. Foi aí que o fato se deu. Outro dia fui ao teatro e vi: tinha um sujeito de roupão. E não era personagem da peça, não. Público e notório. Nos cumprimentamos, cúmplices. Uma delícia, foi o comentário dele.
Ai comecei a notar o aumento de pessoas de roupão nas ruas, nos bares. Eles conversavam entre eles. O quente era usar roupão roubado de hotel ou spa, com logotipo.
Até que, outro dia, entrei num restaurante finíssimo e tinha dois iupes no balcão a tomar vodka. Os dois de roupão.
Um dizia para o outro:
- Francês. Hotel George V.
E o outro:
- Mas xadrez, como o meu, você nunca tinha visto, né?
Voltei para casa e pendurei o meu roupão. Nunca mais usei roupão.
Odeio andar na moda.
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