novembro 28, 2009

20 dias...

Acabo de notar que há vinte dias nada escrevo aqui no “meu querido blog”. E não é síndrome da folha em branco. É a total falta de tempo mesmo. Assuntos não me faltam. O principal dele é o acúmulo de eventos num mesmo dia ou na mesma semana. Se há algo mais desagradável é justamente o fato de haver um fim de semana inteiro sem nada par fazer e outro, que já previamente estava agendado (desde março) consegue ficar carregado de eventos. Se não fosse uma pessoa calma diria que andaria meio estressado. Bem, acho que sou meio estressado...

Bem, deixando de lado todas as outras coisas, estou escrevendo aqui para apontar um novo projeto, o qual ainda é secreto, não posso falar nada. Mas continuarei meio ausente aqui do blog, porém, não ausente das letras...

Diria que 2010 promete. Afinal, o mundo acabará em 2012 (sic)...

novembro 08, 2009

Rocket to Russia

Certa vez lembro de ter ouvido falar que o João Gordo – da banda Ratos do Porão (na minha época), hoje, VJ da MTV – expulsou uma banda que entrevistava em seu programa quando os integrantes falaram que não gostavam de Ramones. Nem sei que banda era, mas sou obrigado a dizer que concordo com ele plenamente em ter mandado os caras embora. Ramones é unanimidade. Pode-se não gostar de Elvis ou Beatles, talvez Rolling Stones, mas é praticamente impossível passar por Ramones e dizer que não gosta, ou, quem em momentos da vida não balançou com alguma de suas músicas? Eu sempre gostei. Mesmo entendendo que não há nada além de atitude pura ali. Muita atitude, por sinal. Mas minha adolescência foi regada por Ramones. Sou quase um suspeito para falar da banda. Mas dentre todos os discos que ouvi à época e que continuam – como diz o Zeca Camargo – a tocar no meu iPod, este disco de 1977, Rocket To Russia, continua a me animar. Um disco que até hoje escuto faixa por faixa. E pior: gosto de ouvir na seqüência original das músicas...

Mas sempre digo que há momentos específicos para escutar Ramones. Mas que normalmente são impressionantes. Diria que é a banda de punk rock que me faz “escutar música de forma diferente” – plagiando novamente o Zeca Camargo. Deveria eu estar aqui a fazer uma resenha, mas pra que? Quem conhece e gosta não vai se interessar em ver repetidas frases a respeito do álbum, afinal, nada de novo tenho a falar. Quem não gosta não vai resolver gostar de Ramones só porque eu disse alguma coisa. Alias, quem não ouvia Ramones na adolescência não me parece ser de confiança... Em muitos momentos me perguntei se deveria ter escutado mais The Police que Ramones na adolescência. Mas hoje vejo que cada um tem seu momento. Mas, na adolescência, a banda de Sting perdia feio...

novembro 03, 2009

Para onde vamos?

Poucas e raras vezes reproduzi aqui um artigo completo. Mas este me parece ser um dos dois artigos de Fernando Henrique Cardoso que merecem mais atenção que o normal. Um intelectual como FHC tem prestígio para falar o que bem entender, principalmente porque ainda em atividade. Mas quando trata de traçar um caminho tomado por um opositor, que por muitas e muitas vezes falou enormes bobagens a seu respeito, este se torna uma peça para um estudo sociológico bastante interessante. Boa leitura aos meus poucos leitores. Mas fica aqui registrado que é uma tarefa bastante grata ler e entender que ainda existe vida intelectual acima da política rasteira.

Por Fernando Henrique Cardoso, no jornal o Estado de São Paulo de 1º de novembro de 2009.

Para onde vamos?

A enxurrada de decisões governamentais esdrúxulas, frases presidenciais aparentemente sem sentido e muita propaganda talvez levem as pessoas de bom senso a se perguntarem: afinal, para onde vamos? Coloco o advérbio “talvez” porque alguns estão de tal modo inebriados com “o maior espetáculo da Terra”, de riqueza fácil que beneficia poucos, que tenho dúvidas. Parece mais confortável fazer de conta que tudo vai bem e esquecer as transgressões cotidianas, o discricionarismo das decisões, o atropelo, se não da lei, dos bons costumes. Tornou-se habitual dizer que o governo Lula deu continuidade ao que de bom foi feito pelo governo anterior e ainda por cima melhorou muita coisa. Então, por que e para que questionar os pequenos desvios de conduta ou pequenos arranhões na lei?

Só que cada pequena transgressão, cada desvio vai se acumulando até desfigurar o original. Como dizia o famoso príncipe tresloucado, nesta loucura há método. Método que provavelmente não advém do nosso príncipe, apenas vítima, quem sabe, de apoteose verbal. Mas tudo o que o cerca possui um DNA que, mesmo sem conspiração alguma, pode levar o País, devagarzinho, quase sem que se perceba, a moldar-se a um estilo de política e a uma forma de relacionamento entre Estado, economia e sociedade que pouco têm que ver com nossos ideais democráticos.

É possível escolher ao acaso os exemplos de “pequenos assassinatos”. Por que fazer o Congresso engolir, sem tempo para respirar, uma mudança na legislação do petróleo mal explicada, mal-ajambrada? Mudança que nem sequer pode ser apresentada como uma bandeira “nacionalista”, pois, se o sistema atual, de concessões, fosse “entreguista”, deveria ter sido banido, e não foi. Apenas se juntou a ele o sistema de partilha, sujeito a três ou quatro instâncias político-burocráticas para dificultar a vida dos empresários e cevar os facilitadores de negócios na máquina pública. Por que anunciar quem venceu a concorrência para a compra de aviões militares, se o processo de seleção não terminou? Por que tanto ruído e tanta ingerência governamental numa companhia (a Vale) que, se não é totalmente privada, possui capital misto regido pelo estatuto das empresas privadas? Por que antecipar a campanha eleitoral e, sem nenhum pudor, passear pelo Brasil à custa do Tesouro (tirando dinheiro do seu, do meu, do nosso bolso…) exibindo uma candidata claudicante? Por que, na política externa, esquecer-se de que no Irã há forças democráticas, muçulmanas inclusive, que lutam contra Ahmadinejad e fazer mesuras a quem não se preocupa com a paz ou os direitos humanos?

Pouco a pouco, por trás do que podem parecer gestos isolados e nem tão graves assim, o DNA do “autoritarismo popular” vai minando o espírito da democracia constitucional. Esta supõe regras, informação, participação, representação e deliberação consciente. Na contramão disso tudo, vamos regressando a formas políticas do tempo do autoritarismo militar, quando os “projetos de impacto” (alguns dos quais viraram “esqueletos”, quer dizer, obras que deixaram penduradas no Tesouro dívidas impagáveis) animavam as empreiteiras e inflavam os corações dos ilusos: “Brasil, ame-o ou deixe-o.” Em pauta temos a Transnordestina, o trem-bala, a Norte-Sul, a transposição do São Francisco e as centenas de pequenas obras do PAC, que, boas algumas, outras nem tanto, jorram aos borbotões no Orçamento e mínguam pela falta de competência operacional ou por desvios barrados pelo Tribunal de Contas da União. Não importa, no alarido da publicidade, é como se o povo já fruísse os benefícios: “Minha Casa, Minha Vida”; biodiesel de mamona, redenção da agricultura familiar; etanol para o mundo e, na voragem de novos slogans, pré-sal para todos.

Diferentemente do que ocorria com o autoritarismo militar, o atual não põe ninguém na cadeia. Mas da própria boca presidencial saem impropérios para matar moralmente empresários, políticos, jornalistas ou quem quer que seja que ouse discordar do estilo “Brasil potência”. Até mesmo a apologia da bomba atômica como instrumento para que cheguemos ao Conselho de Segurança da ONU - contra a letra expressa da Constituição - vez por outra é defendida por altos funcionários, sem que se pergunte à cidadania qual o melhor rumo para o Brasil. Até porque o presidente já declarou que em matéria de objetivos estratégicos (como a compra dos caças) ele resolve sozinho. Pena que se tenha esquecido de acrescentar: “L”État c”est moi.” Mas não se esqueceu de dar as razões que o levaram a tal decisão estratégica: viu que havia piratas na Somália e, portanto, precisamos de aviões de caça para defender o “nosso pré-sal”. Está bem, tudo muito lógico.

Pode ser grave, mas, dirão os realistas, o tempo passa e o que fica são os resultados. Entre estes, contudo, há alguns preocupantes. Se há lógica nos despautérios, ela é uma só: a do poder sem limites. Poder presidencial com aplausos do povo, como em toda boa situação autoritária, e poder burocrático-corporativo, sem graça alguma para o povo. Este último tem método. Estado e sindicatos, Estado e movimentos sociais estão cada vez mais fundidos nos altos-fornos do Tesouro. Os partidos estão desmoralizados. Foi no “dedaço” que Lula escolheu a candidata do PT à sucessão, como faziam os presidentes mexicanos nos tempos do predomínio do PRI. Devastados os partidos, se Dilma ganhar as eleições sobrará um subperonismo (o lulismo) contagiando os dóceis fragmentos partidários, uma burocracia sindical aninhada no Estado e, como base do bloco de poder, a força dos fundos de pensão. Estes são “estrelas novas”. Surgiram no firmamento, mudaram de trajetória e nossos vorazes, mas ingênuos capitalistas recebem deles o abraço da morte. Com uma ajudinha do BNDES, então, tudo fica perfeito: temos a aliança entre o Estado, os sindicatos, os fundos de pensão e os felizardos de grandes empresas que a eles se associam.
Ora, dirão (já que falei de estrelas), os fundos de pensão constituem a mola da economia moderna. É certo. Só que os nossos pertencem a funcionários de empresas públicas. Ora, nessas, o PT, que já dominava a representação dos empregados, domina agora a dos empregadores (governo). Com isso os fundos se tornaram instrumentos de poder político, não propriamente de um partido, mas do segmento sindical-corporativo que o domina. No Brasil os fundos de pensão não são apenas acionistas - com a liberdade de vender e comprar em bolsas -, mas gestores: participam dos blocos de controle ou dos conselhos de empresas privadas ou “privatizadas”. Partidos fracos, sindicatos fortes, fundos de pensão convergindo com os interesses de um partido no governo e para eles atraindo sócios privados privilegiados, eis o bloco sobre o qual o subperonismo lulista se sustentará no futuro, se ganhar as eleições. Comecei com para onde vamos? Termino dizendo que é mais do que tempo de dar um basta ao continuísmo, antes que seja tarde

novembro 02, 2009

Meus heróis morreram de overdose...*


“If the doors of perception were cleansed, every thing would appear to man as it is, infinite.“

William Blake - The Marriage of Heaven and Hell.

Começar um texto que batizei com um trecho de uma música do Cazuza, já demanda certa dose de esforço fora do normal para ir em frente e pontuar alguns tópicos. Não tenho muita afinidade com as letras de Cazuza e sua música não teve para mim o mesmo impacto de outras bandas da mesma época, como até já me referi aqui neste mesmo blog. Mas algo dos meus 15 anos ainda permanece na minha mente e cada vez mais confuso. Não vou falar nada de Cazuza, mas de outras três personagens reais que me balançaram – e ainda balançam - em momentos diferentes e que acabaram por bater a minha porta por várias e várias vezes.

Túmulo de Jim Morrison - Cemitério de Père-Lachaise, Paris.

A primeira personalidade que vou falar é do sempre jovem Jim Morrison – uma das duas coisas boas de se morrer jovem é que nunca envelhecem; a outra é a não revisão do legado deixado, deixando sempre uma lacuna aberta para um infinito de interpretações. Quando assisti pela primeira vez o filme Doors, de Oliver Stone, não entendi nem a metade daquilo que viria a ser uma das bandas mais comentadas entre meus colegas de colegial. Pouco tempo atrás assisti novamente ao filme e a cada vez observo novos detalhes que me haviam passado despercebido. Quanto mais tempo se passa mais identifico o poder artístico distante daquela busca das novas emoções da juventude. O mais impressionante é o poder das letras atrás das músicas que ainda hoje tem o poder de embalar momentos marcantes da minha vida. Quanto mais o tempo passa mais informações vamos acumulando.

O fator que me chama atenção na figura de Morrison está nas pequenas apresentações indiretas que me trouxe. Não poderia deixar de descrever a primeira apresentação indireta de uma música do Doors. Foi aos meus 10 anos de idade num disco, famoso à época, um LP da moda daqueles tempos, chamado Rádio Pirata ao Vivo, do RPM, onde Paulo Ricardo cantou incidentalmente Light my fire no meio de uma música. Isso data de 1986. Pouco tempo depois, em 1991, veio o filme de Stone. Mas Doors não parava ali a me apresentar novidades. Descobri o poeta William Blake através de Morrison. Depois, ao me interessar por ficção científica, acabo por descobrir Aldous Huxley, e o seu livro As Portas da Percepção – livro que dá nome à banda de Jim Morrison. De Huxley ainda acabei por ler Admirável Mundo Novo, e hoje é um dos autores que acabo por esbarrar na condução de uma busca intelectual e em muitos casos como simples citação – como a cerca de dois anos, citado explicitamente no texto de um arquiteto.

Mas, além de suas letras que ainda trazem algumas reflexões, a música do Doors acaba por embalar algumas “trilhas sonoras” das viagens de fim de semana ou de férias junto aos amigos e namorada. Não somente Doors, mas talvez seja a única banda que marcou a todos em momentos diferentes. Ontem mesmo, ao ouvir Riders on the storm, acabai por escutar várias vezes seguidas...

Túmulo de Randy Rhoads - Cemitério de San Bernardino, California.


Aos quinze anos fui apresentado ao Ozzy e ao Black Sabbath, como já contei por aqui, nas minhas recordações em forma de blog, cujo nome não poderia ser mais do que significativo. Falar de Randy Rhoads, morto em 1982, é para mim como falar de um dos guitarristas que mais curiosidade me desperta. Sua morte, prematura, decorrente de um acidente, tendo somente gravado dois álbuns ao lado de Ozzy (Blizzard of Ozz e Diary of a Madman), era como se algo muito maior não tivesse se concretizado. Ozzy estava numa péssima fase quando Rhoads chegou, e praticamente colocou o primeiro álbum de Ozzy entre um dos mais vendidos no mundo (num livro sobre os 100 álbuns mais vendidos no mundo ocupa a 100ª posição – se não me engano - e é o único disco de Ozzy nesta lista) tendo impulsionado sua carreira a parir de então.
Mas Randy Rhoads tem para mim algo de extrCor do textoaordinário que ainda não consigo explicar em palavras, principalmente ao ouvir Over the mountain ou mesmo a pequena peça Dee. Por trás das guitarras ainda aparece a figura de Aleister Crowley. Rhoads continua a ser para mim uma das maiores incógnitas entre os guitarristas que aprecio.


Túmulo de Elvis Presley - Graceland, Tenesse.
A terceira pessoa que vou comentar a respeito é a única que me deixa 100% confortável. Nestas poucas linhas a respeito de Elvis Aron Presley, gostaria de tentar explicar um dos maiores erros de interpretação que passam de geração a geração sobre sua morte: Dizer que Elvis era drogado. Naquele tempo, década de 1970, não se consideravam os efeitos dos comprimidos como um vício. Elvis tinha tido uma infância solitária e bastante pobre e em momento algum teve atos de revolução como outros astros que morreram naquela mesma década, como Jim Morrison, por exemplo. Elvis fazia pela música sua revolução. Não à toa, John Lennon, quando esteve pela primeira vez nos Estados Unidos, disse que conhecer Elvis foi o melhor de tudo desta viagem.

Certa vez o jornalista Daniel Piza comentou sua inicial estranheza nos fãs de Elvis de sua fase final (gordo). Mas complementou que ao se descobrir o Elvis dos anos 50 dava para compreender a devoção. Elvis fez inúmeros filmes, mostrando até o Hawaii. Mas sua terra era mesmo Las Vegas. Até hoje, Las Vegas, com suas múltiplas transformações, ainda tem muito do espírito de Elvis. Era um super-astro e até hoje as peregrinações a sua casa e, conseqüentemente ao seu túmulo, atraem multidões. Um mito que se traduz numa música que marca gerações e que me foi apresentada ainda na infância. Se um dia alguém me perguntasse quais foram os primeiros discos que escutei, Elvis certamente estaria entre eles.

Nada mais impressionante do que falar dos mortos no dia de finados. Que estejam em paz e continuem a me guiar por estes caminhos que a vida me apresenta. Não estranho em falar de três personagens tão conhecidos e que influenciam até hoje inúmeras gerações. Eles com certeza ainda podem aparecer em mais outras tantas postagens.
* Da música Ideologia, de Cazuza.

novembro 01, 2009

A chuva

A chuva caia sem trégua ao pedestre. Caminhava ele sem muita pressa, já úmido, parecendo sem destino. Procurava no vasto aglomerado de edifícios algo que fizesse sentido. Transitava olhando para cima e para baixo, num movimento sem sincronia, como num ritual. Procurava no vazio uma explicação para o que lhe acontecia. Parecia perdido, mas os caminhos em que transitava lhe eram familiares. Os conheceu num tempo passado. Um tempo que o sol ali brilhava radiante, sem perceber os rumos que aqueles dias moldariam em sua vida. Pensava em quantas vezes já havia pisado naquela calçada; em quantas vezes havia desviado daqueles canteiros de flores e árvores; em quantas vezes esperara para atravessar aquelas mesmas ruas; e em quantos carros já havia passado, estacionado e visto naqueles anos todos. Quantas pessoas cruzaram por ele nesses caminhos, transformando-se em meros desconhecidos para todo o sempre. Quando se pondera a eternidade se descobre que mesmo que sua memória fosse a mais genial, ainda não poderia lembrar-se de todas as pessoas comuns que cruzou por aquelas ruas. Mas, havia uma pessoa em que a esperança de voltar a ver o fazia se movimentar daquela forma sob a chuva.

Havia a encontrado anteriormente numa rua, noutra ocasião bastante diferente. Era um local comum e não mais o bairro em que transitaram juntos por todos aqueles anos. Foram poucos anos em que estiveram lado a lado numa diferença de horários em que o espaço físico daquelas arquiteturas ecléticas era a única testemunha. Uma testemunha muda de acontecimentos dos mais marcantes de inúmeras vidas e de inúmeras épocas. Mas sua vida naquele momento estava marcada pela chuva, que continuava a não lhe dar trégua. Seu caminhar já se tornava cansado e logo deveria desistir de conseguir este encontro forçado. A esperança deste encontro era maior que a possibilidade real de acontecer. Era de uma melancolia sem limites, numa mistura de sentimentos em que se avaliavam aqueles rumos moldados por aqueles dias radiantes e um futuro que havia ou não se concretizado. A dúvida era o preço da pureza, pois lhe era inútil ter certeza. A certeza que lhe poria fim na sua busca romântica de um encontro sob a chuva. Não encontrava respostas para entender aquele mundo onde parecia ter sido arremessado. Um mundo que tudo parecia fora do lugar. Corria ele em busca daqueles dias radiantes, debaixo da chuva, cada vez mais volumosa.

Em sua mente a imagem da musa inspiradora de vários e variados assuntos lembrava a lenda das sereias em seu canto apaixonante. O canto que embalava os marinheiros nas profundas águas oceânicas. As imagens de seus passos lado a lado naquelas ruas eram um desejo de extrema magnitude. Mas então resolve passar a pensar em seu estado geral lamentável, de suas roupas encharcadas, de sua barba por fazer e seu cansaço, cada vez mais aparente aos olhos mais destreinados. Foi então que a magia tomou conta de seus olhos. Sim, ela estava lá. Alguns poucos passos, também debaixo da chuva. Estava de botas negras, as mesmas daqueles tempos radiantes e toda molhada, numa tentativa sem sucesso de abrir a porta de seu carro; o mesmo daqueles dias radiantes. Foi então que tentou se aproximar. Mas seu cansaço ganhou e a avistou partindo numa rápida arrancada. Era hora de desistir. Não aconteceria outra vez mais naquele dia. Ela nunca saberia o quão perto estivera; nunca saberia de seu esforço; nunca saberia de seu desejo de encontrá-la. Tomou então o rumo de volta ao seu “esconderijo”, apelido dado ao seu pequeno cômodo alugado ainda naqueles tempos radiantes. A decoração permanecera intocada por todo o tempo que longe estiveram. Era a memória viva de um ritual de devoção a musa inspiradora dos melhores dias de sol pelos quais já havia passado.

De volta ao pequeno cômodo, recolheu a correspondência, menos úmida que sua roupa. No meio de todas aquelas contas atrasadas estava um pequeno envelope verde, sem remetente. Em seu interior um cartão com as seguintes palavras: “Estive por aqui, no intuito de recordas nossos bons tempos.”

Aquelas palavras foram a pior coisa que se poderia ler naquela hora. Tanto esforço para aquele encontro forçado sem qualquer perspectiva de êxito, enquanto a peça chave estava justamente a caminho do único local inalterado e testemunha viva daqueles dias radiantes. Num mesmo dia era sorte demais jogada fora. Agora o cansaço dominava o corpo úmido. Era aquela noite de chuva a pior de todas. Uma verdadeira tempestade, mesmo sem os raios e trovões. Era a vitoria da ansiedade sobre a paciência. Agora nada restava a não ser tentar estar melhor para um novo dia. Nenhuma outra possibilidade estava em questão. Nada naquele momento seria possível. Não havia nenhum número de telefone e mesmo se houvesse não teria como chamar. Estava com as mãos e os pés amarrados, rendido ao cansaço e à desesperança. Mais uma noite, em que a insônia o acompanharia. E a chuva não parava de derramar suas lagrimas cada vez mais geladas e densas. Amanhã seria outro dia. Um dia a menos na vida que poderiam juntos ter. E como era longa aquela noite...

Pela manhã percebe a porta a bater. Estava mais lamentável ainda, com as roupas úmidas e dores por todo o corpo. Fora difícil seu levantar. A porta batia mais desesperada. Cambaleando consegue atender, e, para sua surpresa, ela estava ali. Radiante. Extraordinária. E com os olhos apreensivos. Olhos vermelhos, como os de quem também havia repousado menos que o necessário. Aquele encontro era o mais inexplicável de todos os tempos e o silencio tomava conta da cena. O convite para a entrada fora feito e aceito. A porta se fecha e o sol passou a penetrar novamente o “esconderijo”. A chuva passou e levou junto os piores sentimentos. Tudo então volta à normalidade. Os carros nas ruas, as pessoas a circular pelas calçadas, as plantas e as flores a se multiplicarem e despertarem de seu descolorido, assim como o sol a brilhar. Quando repentinamente a porta se abre. Por ela vai-se embora a musa de seus sonhos mais inspiradores. A chuva volta então a cair. Uma garoa fina, restabelecendo a normalidade das águas. Mas agora existe a promessa que ela vai voltar. A chuva então nutre agora as flores e as árvores nas calçadas, mantendo-as como vivas testemunhas desses novos tempos antigos, que não voltam mais, assim como uma onda no mar, nada do que foi será igual ao que foi um dia... E que a chuva traga alívio para todos...
"Riders on the storm,
Riders on the storm,

into this house we're born,
into this world we're thrown
like a dog without a bone,
an actor out alone,
riders on the storm

There's a killer on the Road
His brain is squirming like a toad
Take a long Holiday
Let your children play
If you give this man a ride
Sweet family will die
Killer on the Road

Girl you gotta love your man
Girl you gotta love your man
Take him by the hand
Make him understand
The world on you depends
Or life will never end
Gotta love your man"

The Doors - Riders on the Storm - L.A. Woman (1971)

Os três textos

Já que continuo aguardando o Renzo Piano da postagem anterior – comprar a Black Friday é isso: o melhor preço, porém, não chega nunca – aca...