abril 11, 2010

As linhas tênues do entre e o então...

Leio o blog da Norma Braga. Não a conheço, nem sei direito o que faz. Sei que é evangélica e que escreve um pouco sobre isso. Já li seus textos sobre Beatles, mais especificamente sobre Paul McCartney, e outro dia estava lendo um texto que foi publicado numa revista. Falava sobre porque ela não é de esquerda. Bem, me parece óbvio e até achei a leitura repetitiva. Mas pensei em quantas pessoas não fazem idéia do que ela esta falando. Falar sobre os reinos de Deus e de Cesar e falar a respeito de quanto a ideologia de esquerda esta impregnada nas formas de pensamento atuais é de fato algo que só é entendido quando nos damos ao trabalho de entender. Sim, requer esforço.

Também não sou de esquerda. Sou um tipo meio conservador, meio liberal, mas que antes de tudo segue alguns princípios que são inegociáveis, tais como liberdade de expressão, liberdade de opinião, liberdade, antes de tudo. Quando morei nos Estados Unidos entendi que a liberdade tem regras. E até hoje vivo um misto entre as regras para a liberdade e a impostura que temos no Brasil. Desde os tempos de faculdade via como alguns colegas tinham dificuldade em seguir regras. O curso de arquitetura é bem livre e infestado de idealismos e cada um deles tem regras, por mais incrível que possa parecer. E o pior de tudo é a total cegueira para se entender conceitos, diretrizes, o que chega a ser algo muito aborrecido. Para ser mais exato, não tenho lá muita paciência. Fico feliz por pessoas como a Norma Braga se dedicarem a explicar certos conceitos. Não sei nem se eu teria capacidade comunicativa para explicar o que me parece óbvio. Certa feita lembro de um texto do Reinaldo Azevedo, que falava algo mais ou menos no sentido de que só usando da lógica dá para desconstruir algumas “verdades”. Em suma, se algo lhe parece estranho, basta que some as partes, analise os fatos e tire alguma conclusão. Esse pequeno esforço chega a desmistificar várias questões que parecem complexas e chatas. Aliás, por ser chato, muita gente não enfrenta esse tipo de pensamento; se incomodam, mas não enfrentam.

Eu sempre passo por um fã do Fernando Henrique Cardoso toda vez que analiso alguma “mística” do governo Lula. Não entendo muito bem o fato, pois normalmente o ex-presidente nada tem a ver com o assunto. E quando digo que a política não me interessa, mas sim as ações dos governantes e, claro, seus conceitos utilizados para a tomada dessas decisões, me falam que eu só falo sobre política. Eu, como praticamente todo arquiteto, quando começo a escrever viro um misto de sociólogo e inconformado. O problema é que nos anos da juventude sempre se quer “mudar o mundo”. Se passa um tempo e simplesmente paramos de nadar contra a maré e passamos a ”integrar o sistema”. As críticas continuam, mas descobrimos que não se muda o mundo, só no máximo conseguimos melhorá-lo. E para esta melhora, as pequenas ações são mais importantes que as grandes. Por exemplo, ao separar o lixo reciclável, uma atitude fácil de fazer e oferece, partindo da pequena escala do indivíduo, uma melhoria muito grande no mundo, apresenta no Brasil certa resistência que não consigo entender. A lógica é simples: com o lixo separado se pode fazer um processo de reutilização que por sua vez polui muito menos. Olhando com a lógica capitalista, isso gera uma nova forma de empreendedorismo, um novo mercado, uma nova oportunidade a ser explorada, a da transformação de lixo novamente em matéria prima. Nada mais racional, nada mais óbvio. E porque há tanta resistência e tanta propaganda? E aí começam as pessoas de fé duvidosa a falar sobre “novos conceitos”, sobre “como fazer um novo mundo” e por aí vai. Mas no fundo há um aspecto econômico que faz desta pequena atitude politicamente correta um instrumento de engenharia social. Assim acaba por acontecer com um monte de outras coisas, criando novos mitos, novas místicas, que também não durariam a uma boa análise lógica.

Mas eu não vou falar aqui das atitudes politicamente corretas, mas do que faz as pessoas se entreterem muito mais com abstrações do que com ações reais. Ás vezes penso em como a realidade está à nossa frente e me falam algo que não faz sentido, baseado numa abstração qualquer.

Ando escrevendo um pouco de ficção. Gosto de escrever ficção. É um gosto que esteve adormecido por anos, que nem sabia que era capaz (não sei se sou bom, isso também não vem ao caso), mas que venho me dedicando, escrevendo, anotando e lendo. Lendo muito. Descobri que um escritor não pode não ter lido os clássicos. Dedico um tempo para esta minha “abstração”. Mas o conceito é justamente o mesmo que norteia a minha profissão: conhecer o que já se fez para poder trabalhar novos conceitos, superar novas exigências, sempre com muita criatividade. Nunca recebi um comentário negativo para os pequenos textos aqui postados. Mas ao falar da arquitetura já recebi de tudo. Descobri que escrever sobre Oscar Niemeyer dá ibope ao meu blog...

Fiz uma postagem em 2007 sobre uma profunda questão, que é o déficit habitacional brasileiro, onde criticava a saída de Niemeyer desta discussão (aqui), a partir dos anos 50 e 60, quando parou de projetar as mega-estruturas (não utilizo o conceito aqui, mas a idéia dos grandes complexos habitacionais, tais como o conjunto Pedregulho, de Reidy, e o Copan, alvo da tal postagem). Os comentários traziam questionamentos de outros conceitos, como sustentabilidade, críticas a pessoa do Niemeyer, críticas ao modernismo, porém, nenhuma questão focada no assunto que me preocupa: o déficit habitacional. Ok que o texto é prolixo. Eu sou meio prolixo, mas não há estudo nenhum a respeito desse desprendimento de Niemeyer sobre este tema. Em suma, fiz um questionamento inédito. E como é inédito, sempre tem alguém que pergunta de onde tirei isso. Oras, da minha cabeça. Se Artigas e Reidy trabalharam o tema, Paulo Mendes da Rocha e Lina Bo Bardi também, não consigo entender o porquê de Niemeyer não ser questionado. Me responderam que ele (Niemeyer) diz que pensar em conjunto habitacional é dividir as pessoas em classes sociais. Conforme escrevi acima, arquitetos quando escrevem viram sociólogos...

Mas, voltando às abstrações da realidade, o texto de Norma Braga, que abriu esta postagem, me alertou como temos que lutar o tempo todo para manter nossas liberdades. Até mesmo a liberdade de pensar em algo que até então ninguém pensou.

abril 02, 2010

Jovem demais para morrer...


Num dia nada especial, numa noite sombria, resolveu que não mais deveria pertencer a este mundo. Sua resolução era reflexiva; pensava nos amigos, na tia, cuja casa dividia, na ex-esposa e na musa inspiradora de suas plácidas obras de arte, que produzia de forma quase incessante. Os quadros revelavam a verdadeira veia do artista, principalmente ao trabalhar os tons de vermelho sob o fundo branco. Seus traços eram jovens; muito mais jovens que sua verdadeira idade. Assim como o senhor Gray, sua face parece não padecer das ações do tempo.

Havia escolhido a noite para realizar o feito; o mal feito. A noite para ele era um momento mágico e ao mesmo tempo algo terrível. Mágico, pois conseguia produzir sem parar, sem atender ao telefone, sem falar com as pessoas. E terrível justamente por não perguntar para as pessoas como está indo sua produção. Sua vontade em dividir o processo criativo o amargava demais durante a noite. Como não perguntar à tia e aos amigos se gostam das cores, dos traços e se estes estão próximos ao rosto e corpo da musa, cuja inspiração não parava. Mas já havia decidido: sua vida não fazia mais sentido. Pensou em tudo, atualizou sua agenda, resolveu pendências e deixou tudo em ordem para aqueles que herdariam seu patrimônio sem valor material. Tinha seu rico dinheiro, oriundo de um marchand amigo, que vendia seus quadros. Claro, somente os que não achava perfeitos. É talvez o único artista que só vendia o que não gostava em sua produção. Sua vida era uma propaganda enganosa ambulante.

Não achava que as artes plásticas eram importantes para além do próprio artista. Mas sua maior vontade era fazer com que seus desenhos vivessem para sempre. Sempre lembrava das memórias póstumas, escritos centenários de seu autor de cabeceira, principalmente de sua dedicatória primeira. Pensava em como a matéria é imperfeita e que a condição de não poder compartilhar do mesmo solo sagrado de outros tantos não o afligia. Pensava sempre em Nicolò, proibido pelo bispo de Nice de se deitar eternamente, por conta de sua exibição de virtuosismo, como se fosse possível virtuosismo sem sua exibição.

Uma luz se acendeu no terraço com piso de pedras recobertas de uma pequena camada de musgo. Pensava em que o escuro completo não iluminaria seu caminho por entre as barcas. O tempo foi passando e ele ali parado, roendo as unhas. Já ao final da noite, próximo ao nascer do sol, decidiu que deveria mudar tudo. Não poderia ir embora antes de sua musa. Virgilio talvez o acompanhasse nas primeiras barcas, mas a principal delas somente poderia ir com Beatriz. E, num discurso semelhante ao proferido por Scarlett O’Hara, manifestou seu desejo de se livrar de seus desenhos todos e buscar a felicidade numa nova fase. Uma fase em que se sentia novamente jovem, com seu fôlego igual ao de um atleta olímpico. E no pequeno rádio tocava uma velha música conhecida...

Let's dance in style, let's dance for a while
Heaven can wait we're only watching the skies
Hoping for the best but expecting the worst
Are you going to drop the bomb or not?

Let us die young or let us live forever
We don't have the power but we never say never
Sitting in a sandpit, life is a short trip
The music's for the sad men

Can you imagine when this race is won
Turn our golden faces into the Sun
Praising our leaders we're getting in tune
The music's played by the mad men

Forever young, I want to be forever Young
Do you really want to live forever?
Forever, or never 

Forever young, I want to be forever Young
Do you really want to live forever?
Forever Young (...)


Forever Young - Alphaville (1984)

abril 01, 2010

Oh! Dúvida cruel...

Escrevi a pouco que a arquitetura dos japoneses do SANAA, ganhadores do prêmio Pritzker deste ano, parece ter uma influência de Mies van der Rohe. Mas acabo de pensar na obviedade de que Mies teve uma grande influencia da arquitetura tradicional japonesa. E agora? Oh! dúvida cruel! O óbvio é que tanto a tradição japonesa como sua leitura utilizada por Mies dão a resposta a esta produção. Isso parece óbvio demais... Acho que estou sem ritmo para escrever – e principalmente sobre a arquitetura.

Na verdade, eu não sou um profundo conhecedor da obra de Mies van der Rohe. Acho que passei tempo demais com Frank Lloyd Wright... ou Alvar Aalto. Na verdade esta arquitetura não me seduz tanto, mas, sou obrigado a dizer que a transparência e quase diluição do confinamento entre o interno e externo me faz ter várias idéias até hoje.

Tempos atrás soube que havia certa ligação entre a arquitetura de Fernando Távora e os escandinavos, tendo em Aalto uma das influências. Escrevi por aqui a respeito. Estas pequenas confluências arquitetônicas são mais do que normais e, acima de tudo, demonstram a liberdade expressiva da criatividade. Nestas horas não há dúvida alguma. A liberdade de se poder utilizar de conceitos para criar algo novo é simplesmente maravilhoso.

Os três textos

Já que continuo aguardando o Renzo Piano da postagem anterior – comprar a Black Friday é isso: o melhor preço, porém, não chega nunca – aca...