agosto 12, 2007

Sobre os cursinhos

Quando se fala de cursinho pré-vestibular muita gente lembra daquele momento da vida onde a pressão de passar num vestibular de uma boa faculdade ou naquele momento de descontração feito por um tipo específico de professor, o popular “professor de cursinho”. Aquele tipo que tinha um jeito de falar que era engraçado e ao mesmo tempo passava as informações.

Hoje passados muito tempo desse período, que para mim foi péssimo, tenho sérias dúvidas quanto à eficiência daquele modelo de professor. Acredito que ele só serve mesmo para aquele período do cursinho. Tive um professor de matemática, durante o meu curso de segundo grau, que achava aquela postura de professor de cursinho algo comparado a um circo. Claro, radical sua opinião, mas não toda errada. Aquele período de cursinho não pode ser grande, pois como sempre levantei essa hipótese, o que não foi estudado nos três anos de segundo grau não conseguira ser apreendido em um ano de cursinho. O estudo dirigido de alguns tópicos é de suma importância para “passar no vestibular”. Disso não tenho dúvidas, mas a formação do indivíduo não é somente “passar no vestibular”. Quando se reduziu o segundo grau a somente uma preparação para o vestibular, se perdeu o que se chamava de formação cultural. A importância maior que está na formação de uma cultura para, no mínimo, se preparar para uma profissão futura.

O que mais acho interessante é que a leitura dos livros das listas do vestibular não passa de mera tarefa de literatura. Não existe num cursinho a idéia de se pensar nessa lista como formação de uma cultura. Sem contar que a escolha dos livros diferentes para cada vestibular gera praticamente um número humanamente impossível de ser apreendida. Se deveria, primeiro, escolher algo como 12 livros (4 por ano, um por bimestre) para serem lidos em todas as escolas públicas (e consequentemente nas privadas também) e estes serem a base do vestibular para no mínimo três anos. E mais: estes deveriam ser distribuídos gratuitamente aos estudantes ou ter enorme subsídio. Ou então, de uma vez se estudar trechos ou contos. O estudo das obras não pode se dar por volume (quantidade) e sim pela qualidade de apreensão de cada uma das obras. O importante não é saber matar as questões no vestibular, mas criar uma mínima biblioteca, um mínimo universo literário para o aluno. Uma pequena formação de cultura através da literatura. A cultura está em muitos aspectos da sociedade, desde seus costumes, como nas artes, na literatura, na arquitetura e, claro, nas ciências. Por isso a formação geral, de artes, ciências, literatura, matemática, tanto no hoje chamado ciclo básico, como no secundário, é de suma importância. Este conteúdo é o mínimo que uma pessoa deve saber para partir para um caminho próprio, onde já sabe que existe algo além daquilo. E a idéia de vestibular esta baseada nisso. Seria o mínimo que um aluno precisaria saber para freqüentar uma faculdade.

Com a maior procura por cursos superiores, derivada de inúmeras causas, entre elas a colocação em um emprego melhor e a desvalorização do que seria o homem médio (desvalorização essa derivada de um processo de decadência na educação - um processo bastante estranho, já que hoje temos muito mais gente dentro de escolas e muito menos cultura – ou seja, uma óbvia questão de quantidade e não de qualidade). O que acabou por acontecer foi uma banalização dos cursos superiores e logo a maior demanda por pós-graduação. Logo, o processo de pós-graduação tende também a se banalizar. Isso gera o incrível fenômeno de “analfabetismo universitário”. O que piora todas as relações desde trabalho até as relacionadas quanto às especificidades das profissões.

No passado minha opinião era positiva, acreditava que aumentando o número de pessoas com cursos superiores se estaria aumentando também a possibilidade de se ampliar os horizontes culturais do país. Mero engano. A meu ver, somente ocorreu substituição de certos profissionais. Hoje dentro do campo da arquitetura, para ser mais específico, temos uma questão de profissionais com mesma titulação, mas com características diferentes. E estas não são dadas dentro do escopo de conhecimentos. Para ser mais específico, antes onde poderíamos ter um técnico em edificações ou somente um desenhista, temos um arquiteto. Existem certos trabalhos que não exigiriam maior especialização do profissional e este está a ocupar estes postos por estes dois únicos motivos: falta de emprego e despreparo, oriundo de sua faculdade. Se todas as faculdades realmente tivessem qualidade em seus cursos, esta relação de trabalho seria a melhor possível, pois você teria um profissional de melhor gabarito para uma função inferior, o que sim, traria a minha idéia (utópica) de aumento da qualidade. O que temos hoje são a banalização e uma total desqualificação do profissional, ou para ser mais exato, a não qualificação do profissional por sua titulação, pois, ai sim, se entra no mérito individual de cada aluno. Não importando tanto as estruturas formais da faculdade, o aluno pode sim se diferenciar em sua formação. Seria como uma especialização autodidata dentro da própria faculdade. Isso é extremamente visível, é fato, não opinião, nem muito menos teoria. Logo temos este quadro: mesma faculdade, formações diferentes.

Voltando ao tema dos cursinhos, estes já conduzem o aluno a sua primeira decepção e pior: a prévia desqualificação. Num cursinho só entram em discussão as faculdades de primeira linha, como se somente dentro delas possa existir vida universitária séria. Eu não posso falar muito das possibilidades de se encontrar ótimos profissionais oriundos de faculdades secundárias, tanto por ter freqüentado faculdades de primeira linha e segundo por tratar de entender em que ponto se encaixa aqueles outros profissionais. É difícil avaliar as questões de formação com trabalhos específicos, sendo que muitos deles eu mesmo busquei as especificidades fora do ambiente universitário. Posso dizer que fui também autodidata em muito do que conheço, não podendo creditar isso a formação, mas a ela posso creditar o mérito maior de indicar os caminhos possíveis para isso. E mais: não era na aula que isso acontecia e sim nos corredores e no contato com os professores fora da sala de aulas.

A segunda decepção, após não ter passado nas faculdades de primeira linha, se encontra quando inicia o curso na faculdade de segunda linha, sempre tentando achar as qualidades que ultrapassem aquelas dentro dos conteúdos conhecidos das faculdades de primeira linha. Como uma competição, o aluno vai tentando acreditar que esta tendo um curso ao mesmo nível. O problema não está no aluno acreditar, mas simplesmente não é necessário. Ele deve entender que será diferente e essa diferença não é um problema, e sim o começo de tudo. A tal comparação é totalmente inútil. Terá sim um curso distinto, de preferência em igual valor qualitativo. Se não o for, o aluno deve saber o que ele precisa dentro da própria instituição, por instinto. O aluno sabe quando não lhe é exigido o máximo. Sabe quando não fez o que tinha que ter feito. Logicamente existem questões específicas, como certos laboratórios técnicos, certos professores e a maior de todas: o perfil do aluno em relação ao perfil da instituição de ensino. Isso esta no âmbito individual. Da mesma forma, o cursinho pode fazer uma pessoa ter ótimos resultados quanto não auxiliar em nada. O fator brasileiro de achar que não se pode deixar de tentar mesmo já prevendo uma pequenina possibilidade de esperança transforma uma condição sem o menor sentido em mais uma prévia decepção. As pessoas não são iguais. Isso é fato. Mas isso não significa que são pires ou melhores. Em 1990, quando fiz o curso pré-vestibular para as escolas técnicas, o professor de química disse à classe que não se decepcionassem com seus resultados, pois, um garçom pode ter resultados financeiros iguais a um médico ou dentista, pois poderia trabalhar no Leopoldo´s, por exemplo. Todas as funções são dignas e todas podem levar ao sucesso ou insucesso.

Eu sou um defensor do autodidata, mas sempre acho que este conhecimento tem que ser trocado com outras pessoas, a fim de ampliar o próprio repertório. A pior condição de um autodidata é desenvolver aquilo que já existe. Pode-se cair muito facilmente nisso, pois esse é o fator que gerou a formação de faculdades e escolas. Assim como o vestibular foi ganhando uma forma e esta acabou por pautar a escola e não contrário. È o mesmo caso de se ter um “perfil” ideal para o mercado, ou se ter a “postura” ideal nas entrevistas. Seu perfil é seu, individual. Nada mais é você do que você mesmo. Suas posturas são aquelas, derivadas de uma cultura adquirida (educação familiar) e moldada por questões de convivência social (educação social), que juntas são a tão famosa educação. Ser educado é o que difere o homem de um animal selvagem. Mas seu instinto, este continuará sendo seu. Ser autodidata todo mundo é um pouco. Desde aprender a mexer no caixa eletrônico do banco até mesmo instalar um vídeo cassete na televisão. Estudar é um ato solitário. A direção desse estudo que pode ser ou não.

Tomando por base estes aspectos, não sei dizer se a melhor forma de se avaliar um aluno para ingresso em faculdade (ou, mais tarde, num concurso público) é uma prova num determinado dia com determinado número de questões, ou se avaliar a história pessoal deste aluno, seu desenvolvimento e suas metas atingidas ao longo de sua vida escolar. Se a vida do aluno seria um cursinho eterno ou se as características individuais (e por tabela seus perfis) deliniariam suas maiores possibilidades. A prova é a mais liberal possível, pois não importa se o aluno é um mini-Einstein ou uma Anta Malaia Matemática, terão as mesmas possibilidades de estudar os conteúdos programáticos daquela instituição a qual se propuseram a fazer o vestibular. Na avaliação da vida escolar, uma derrapada, oriunda talvez até por fatores externos, pode ser o entrave para uma brilhante carreira.

A solução dada pelo cursinho é preparar alguém sem a bagagem necessária para atingir uma meta. Esse esforço em trabalhar mentes para simplesmente cumprir uma meta, transformou de certa forma as relações da educação. Se este esforço tivesse sido usado para criar novas instituições teria sido muito melhor aplicado. E este é o fenômeno que já vem acontecendo. Lembrando que a UNIP – Universidade Paulista - é a instituição de terceiro grau oriunda dos cursinhos OBJETIVO, assim como o curso ETAPA buscou fazer uma faculdade de engenharia de produção (se não me engano). A minha dúvida é por que isso não aconteceu mais cedo? Se existia demanda de pessoas pelos cursos superiores, por que vários cursinhos investiram somente nas estratégias de vestibular? E se havia esta demanda por que as instituições não ampliaram suas vagas? Eu creio em algumas hipóteses de resposta. A primeira que é mais fácil e mais rentável preparar para o vestibular um classe de cem alunos pagantes, onde nem dez por cento deles tem real possibilidade de sucesso. A segunda que uma nova instituição teria um custo elevado e um êxito demorado. Mas assim se formaram algumas escolas, pensando na qualidade, sem pesar o custo. Um dos exemplos disso é a Escola da Cidade, que foi criada por professores e possui o curso de arquitetura e urbanismo, com características próprias. As instituições ampliaram suas vagas, com o passar do tempo. Tem lá suas dificuldade para isso. Mas acho que a motivação financeira e fazer da educação um negócio é muito mais forte do que fazer uma instituição de desempenho cultural (mesmo que esta seja também um bom negócio como exemplo pode-se citar os inúmeros centros de idiomas, como a Cultura Inglesa e a Aliança Francesa, que eu acredito não trabalharem por utopia).

Em suma: a existência de cursinhos esta ligada a uma questão de demanda, mas depois se tornou simplesmente a regra do jogo, pautando a educação e, infelizmente, sendo desvirtuada, tanto em qualidade como em objetivo.

2 comentários:

João Batista disse...

Houve uma época em que apenas o “deproma” de Administração bastava. Aí escancararam as portas do ensino. Resultado: hoje o MBA é fundamental. Aí o MBA também foi imitado. Então cada porta escancarada é substituída por outra ainda mais longínqua. Não só o resultado é o oposto ao desejado, como é uma prática suicida que acaba por destruir o sentido mesmo de uma universidade: se é para todos, o que a diferenciará de uma extensão do ensino médio? Em breve doutorados serão cobrados para os cargos de Motoboy, Faxineiro, Garçom e Presidente petista (adivinhe qual é a profissão indigna desta lista).

Agora, é mesmo uma opção? Por que descartar o histórico escolar? Um empregador não gostaria de ter tudo em mãos? Passado, presente e futuro, não apenas um ou outro. O que seria determinante? Ah, isso sim é utópico: o todo.

D. Fernandinho disse...

Mas é mesmo, é a banalização de tudo. MBA por correspondência... Mas não sei mesmo se o melhor critério é a vida escolar ou a competência na prova. É um dilema.

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