Mas Coutinho vem me impressionando. Eu tentava pensar em alguém com idade semelhante a minha e com idéias semelhantes. Encontrei primeiramente Daniel Piza, pouco mais velho. Depois Coutinho, que por sinal o conheci por Daniel Piza, quando fizeram um bate bola em que entre uma das iniciativas dos dois era fundar o clube do ponto e vírgula (quando digo conhecer é ser apresentado a obra, não pessoalmente).
Mas o que me faz falar mais dele é sobre a questão do senso de humor. Eu me divirto muito lendo alguns detalhes que escreve. Além de seu humor tem uma opinião bem apontada sobre fatos e sobre conceitos, dos quais também compartilho. Mas fala de pequenas coisas com uma maneira que eu às vezes me mato de rir em pensar como escreve com aquela calma, aquele momento que eu já teria perdido o senso de humor.
Outro dia lia o blog de Reinaldo Azevedo e lá falava de alguém que se incomodava com eles dois e mais Demetrio Magnoli, Diogo Mainardi e mais sei lá quem. Não tinha o nome do Olavo de Carvalho no meio, mas em questão de tempo se associaria estes todos como uma “conspiração”. Para quem lê cada um desses autores sabe que há muitas diferenças entre eles. E nada de mal nisso. Todos eles sempre agregaram mais cultura em suas colunas do que muitos outros que pregam o desaparecimento deles. E o melhor de tudo, todos eles tem bom humor; pelo menos já os flagrei rindo, alguns até pessoalmente.
Mas voltando aos escritores. Inicialmente me matava de rir com Mário Prata. Depois não escreveu mais para o Estadão e não li mais nada dele. Mas ele é mais velho, da geração dos meus pais, não é a mesma coisa de ler alguém com quase a mesma idade. A geração dos quarenta e poucos é bastante divertida, com Mainardi, Reinaldo Azevedo e outros. Entre todos é claro que Olavo de Carvalho é o mais profundo, o mais complexo. Mas pensar neles todos como um bloco? É coisa para quem não os lê. E não os lê não porque o que escrevem não tem valor, mas por questões ideológicas.
Quando a esquerda fez sua revisão (no Brasil isso aconteceu?), muito se fez para avançar em termos culturais. É nítido ver que isso ainda é um pouco de tabu. Seria o mesmo que, fazendo uma analogia arquitetônica, dizer que gostar de determinado arquiteto significa gostar de toda sua obra, sem exceções. Quando leio as crônicas de Artur da Távola, nota-se sua total revisão daquele mundo idealizado e apresenta muitas outras novas iniciativas. Quando da sua morte, a TV Senado apresentou uma entrevista sua de 1999, que já falava de sua revisão de conceitos, de muito tempo. Assim se pode falar de Fernando Henrique Cardoso, de Fernando Gabeira. Claro que ainda existem dinossauros da “vanguarda do atraso”. Mas é questão de tempo para que uma nova forma de ver o mundo, como ele é, seja mais influente do que a forma de mudar o mundo, de fazer um “novo mundo”. Essa revisão era óbvia, alimentada que foi por inúmeros pensadores desde as décadas de 1930 e 1940, como George Orwell, Aldous Huxley, Ortega y Gasset, entre muitos outros. Ler estes colunistas hoje é rever tudo que foi escrito e é conhecido dos “fazedores de novos mundos”. Não sei dizer, mas como escreveu Piza outro dia, dessa Era Obama já se pode dizer que o pensamento dos anos 1960 está acabando (e também sua extensão festiva dos anos 1970). Vamos ver como isso se dará no tempo. Por enquanto vou me divertindo lendo Coutinho. Abaixo um pequeno trecho:
“Uma das experiências mais fascinantes da existência humana é atender o telefone às 6 da manhã, quando os comprimidos para a insônia começavam a fazer efeito, e descobrir que o telefonema foi engano. Claro que existe uma experiência ainda mais fascinante: é a mesma pessoa voltar a telefonar 15 minutos depois, quando o nosso corpo e a nossa mente já regressavam ao seu delicioso limbo. E ser novo engano.
Aconteceu hoje, ou seja, há uma hora, e eu permaneço sentado na cama, com a terrível sensação de que o sono não volta e que a pessoa responsável por me arruinar o domingo jamais será punida pela leviandade.
E então imagino como tudo seria mais justo se existisse um mecanismo no próprio telefone que nos permitisse eletrocutar a pessoa do outro lado da linha. Nada de violento, apenas uma descarga terapêutica que a ensinasse a pensar com toda a cautela se o número de telefone é o correto e se telefonar às 6 da manhã é avisado.
Infelizmente, a tecnologia nunca está onde é precisa.”
http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/joaopereiracoutinho/ult2707u488773.shtml