dezembro 29, 2007

O Caminho

Não é possível. Não descobri ainda, mas parece que em algum momento alguém teve a impressão de que eu tinha alguma simpatia com a esquerda. Não sei de onde tiram essas coisas. Deve ser pela minha profissão; afinal, o arquiteto brasileiro mais conhecido e também o mais velho, sempre foi um defensor da esquerda, assim como muitos outros arquitetos também. Mas como Niemeyer afirmou certa vez no programa Roda Viva, em 1997, contando uma história de quando convidado a dizer o que achava da arquitetura soviética em Moscou, disse que na política estava com eles, mas na arquitetura preferia a forma brasileira...

Eu sou obrigado a dizer que eu também na arquitetura estou do outro lado. Arquitetura se faz com criatividade. Nada tem a ver com convicção política. Agora, é lógico, não se pode desvincular a vontade política dos planos de ação urbana. Mas quanto à obra isolada, a arquitetura está bastante longe de intenções políticas e muito mais perto do mercado. A idéia de um arquiteto-artista esta cada vez mais distante da realidade. Agora, também não é porque a arquitetura é comercial que esta tem que ser um lixão. Para fazer lixo eu prefiro não fazer nada (e morrer de fome, não pagar as contas, etc. – todas as desculpas dos chamados arquitetos comerciais).

Mas voltando, até entendo que a cobrança é muito grande por soluções. Mas eu, quando tomo um estudo, como faço em relação a Santo Amaro, levo tempo para perceber o que realmente está acontecendo, até começar a dar as primeiras idéias de renovação. Praticamente eu busco por fenômenos - fenômeno definido aqui por um conjunto de fatores ou mesmo a introdução de equipamento urbano, que atuando em separado por determinado tempo motivaram a mudança urbana de regiões. Ou seja, nem sempre para os grandes problemas urbanos consigo dar respostas rápidas. Demanda mais tempo para estruturar as “acupunturas urbanas”, como chamaria Jaime Lerner, as intervenções urbanas.

O discurso de cada um é sempre pautado por experiências, isso é um tanto quanto óbvio, mas sempre é bom lembrar... E a arquitetura somente como objeto arquitetônico é uma coisa e a arquitetura em conjunto, inserida no contexto urbano é outra coisa. Para entender sempre faço a seguinte analogia: uma loja num shopping: o banheiro da loja é a arquitetura, enquanto a vitrine já é desenho urbano. Para o banheiro só temos que ter os aspectos técnicos – ventilação, prumadas de água e esgoto - e desenhar os detalhes funcionais seguindo a estética conveniente – se o piso será de cerâmica, mármore, pias de aço inox ou porcelana, etc. Já para a vitrine, necessito saber os fluxos humanos e quem são os concorrentes, para então posicionar o tipo de produto que darei destaque. Ou seja, seria como a construção de um edifício de apartamentos: os pisos dos quartos, salas, cozinhas, assim como se a janelas serão de PVC ou de alumínio, ou se o revestimento será de pastilhas, não interessa a priori para a implantação do mesmo no terreno. Mas sua implantação definirá onde serão os ambientes. Tudo se relaciona, mas no fundo, o que dá a característica ao edifício é em que bairro está o terreno; como são as construções do entorno e qual será o público alvo para este. A arquitetura interfere nesses princípios, mas não os define. É parte num processo maior. Porém, como de uma forma geral os arquitetos são obrigados por sua profissão a entender de assuntos variados, muitas vezes essa erudição transpassa a arquitetura e vai a outras áreas do conhecimento. Nessas horas que muitos arquitetos são lembrados como intelectuais e convidados a dar respostas para tudo. Assim como certos cantores e escritores, alguns arquitetos dão palpite sobre tudo... Mas isso é uma visão romântica e atualmente bastante rara de se ver (felizmente).

No meu caso a coisa se confunde um pouco mais por gostar de outros temas fora da arquitetura, sendo estes a política, a música e um pouco da literatura, cinema e futebol. E escrevo bastante descompromissado, às vezes até ingênuo. Mas não teria nenhuma forma de me confundir com alguém dos defensores do “politicamente correto”. Tanto que se pode analisar qualquer um dos meus textos sobre arquitetura e em nenhum deles defendo temas da “moda”. Muito pelo contrário, defendo ainda algumas convicções de autores como Aldo Rossi, Jane Jacobs, Robert Venturi, que outrora devem ter sido alguma outra moda, talvez... Uma moda que eu não fiz parte... Garanto... Mas para mim o importante é escrever. Fiquei bastante feliz de saber que fui citado num artigo no site Arq!Bacana. Isso me dá mais fôlego para continuar a escrever. Assim é a vida, escrevendo quase anônimo aqui e alguém nem tão anônimo me lendo. São vantagens de tempos modernos.

2 comentários:

Blogildo disse...

Você é o primeiro arquiteto de que tomeir conhecimento que não se diz "de esquerda".

João Batista disse...

É o primeiro arquiteto que não se diz de esquerda e que não é um paspalho. Rsrs. Minha experiência com arquitetos é similar a do inventor do ódio aos advogados. Só conheci pilantras, que por sinal, mas muito naturalmente, eram todos “de esquerda”, se bem que isto pode ser tomado tanto como um elogio indevido como uma ofensa: do ponto de vista ideal, supõe-se que um sujeito, para se declarar um “esquerdista”, tem algum estudo no assunto e algum fundamento para suas posições. Isso estes arquitetos não tinham, eram apenas palpiteiros. Por outro lado, ser de esquerda hoje em dia é exatamente isto, declarar intenções, algumas boas, algumas somente boas em aparência.

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