dezembro 01, 2007

A dimensão cultural

A dimensão cultural que cerca a arquitetura como arte e como expressão não esta associada da mesma forma que uma profissão convencional, mesmo sendo esta também criativa. Colocamos em par duas ou três outras profissões como a de jornalista, publicitário e engenheiro mecânico. Veja que nenhuma das três está desassociada a algum tipo de cultura e muito menos à criatividade.

O fato é que o jornalista, quando ao noticiar um fato precisa ter em mente se o fato é inédito, ter grande conhecimento geral e visão crítica, mas sua opinião pode ser momentânea tanto quanto pode ser eternizado como grande crítico ligado àquele momento. Um jornalista cultural mais especificamente deve ter em mente que sua obra pode estar completamente errada e que isso não é um problema. Um exemplo seria aquele do jornalista que falou durante os anos 1960 que os Beatles eram um fenômeno passageiro e que em alguns anos ninguém se lembraria deles. Isso poderia se aplicar ao caso de bandas como Menudo, New Kids on the Block e tantas outras... Mas sobre Beatles aquele jornalista que não lembro o nome errou. Quanto à criatividade, o jornalista tende a escrever ou noticiar os fatos de forma que estes sejam mais lidos e que desta forma a noticia se propague. Não que ele invente a notícia, mas ai que entra a anedota do “passarinho”, tão conhecida no meio jornalístico.

Já o publicitário, ao redigir uma campanha ou mesmo em acertar sua arte gráfica, ele não chega a empreender algo que tenha um longo período de existência. Mas especificamente está bastante ligado a um modelo arquitetônico, o modelo ativista, que é aplicado na arquitetura de lojas, restaurantes e shoppings. Uma bela campanha fica no ar no máximo alguns anos, assim como as arquiteturas dos shoppings, onde a renovação não passa de uma parte do plano de marketing. No caso dos restaurantes, existe ainda um fator técnico, além deste de marketing, que seria o avanço tecnológico de equipamentos. Logo as agencias criam muitas campanhas que estas vão sendo mudadas e novos produtos são lançados, assim criando ciclos. Tem que estar em direta relação com as culturas para as quais se destinam os produtos. Para usar um termo da área, tem que estar de acordo com o público alvo da campanha. Nada mais é que a cultura desde público alvo. Veja só, se um produto quer o público adolescente, têm que buscar o que os adolescentes consomem em termos de música, televisão e roupa, por exemplo. Assim como da mesma forma pode induzir ao tipo de música, roupa etc., mas sempre por um período razoavelmente curto.

O caso do engenheiro mecânico é o mais difícil para expor, pois muita gente não vê o uso da criatividade em sua produção e nem mesmo a ligação cultural que este tem. Vamos num exemplo próximo de meu conhecimento. Um engenheiro mecânico que trabalhe para uma empresa de máquinas e implementos agrícolas. Tem que estar ligado ao tipo de cultura produzida, ou melhor, se os produtos são destinados à lavoura de soja, necessita saber como cresce a leguminosa e como é feita sua colheita, para assim criar com seus instrumentos técnicos as máquinas especificas para a colheita. Mas nessa criação pode interferir no método de plantio, para, por exemplo, deixar fiadas maiores para a passagem de trator etc., sempre fazendo um calculo a respeito de demanda, tempo, perdas e com uma noção completa de processo. Não é ligado logicamente a uma cultura de momento, mas sim por um conhecimento técnico que por sua vez é ligado a uma cultura maior. Vamos por exemplo no caso da soja. Há mais de 30 anos a soja não tinha sequer o interesse comercial que têm hoje, e a substituição da banha do porco pelo óleo de soja esta intrinsecamente ligada à cultura e não a questões econômicas e técnicas. Bem por isso esse é o exemplo mais complicado de se explicar. Tem que se compor que a cultura de momento, a atual de baixas calorias e alimentos mais saudáveis, tem grande participação nas atividades do agro-negócio e da tecnologia aplicada a este. A criatividade do engenheiro mecânico é tão grande quanto á do arquiteto e do publicitário, porém sempre ligada à atividade técnica. É engraçado como se vê hoje falar na questão eletrônica como tecnologia sem sequer notar que as estruturas onde estão colocados os componentes eletrônicos também avançaram muito em materiais, técnicas e projeto. Basta olhar para seu monitor à frente e comparar como eram dez anos atrás e sua televisão com aquelas dos anos 1980, por exemplo. Veja que falo da estrutura mecânica e não das qualidades técnicas, que de certa forma só vieram a mudar com a tecnologia de LCD. Junto a esta nova tecnologia, a dimensão mecânica do uso dos plásticos e dos processos para que fiquem cada vez mais precisos e de melhor qualidade e resistência mecânica. Isso sem contar a questão do design de produto, que é a característica que mais cresceu dentro da técnica mecânica.

Já arquitetura carrega em si muito mais que os três exemplos acima. Vejamos. Quando ao se construir um edifício, este no mínimo tem a duração de mais de vinte anos. Isso, claro, retirando casos de arquiteturas itinerantes, que estão por sua vez colocadas em outro modelo arquitetônico, já citado, o ativista. Ao contrario do modelo ativista, temos o modelo arquitetônico institucional. O império romano teve a maior influencia na história da civilização e por sua vez tudo o que se refere aos símbolos institucionais de poder normalmente está ligado a uma arquitetura de origem clássica (neoclássico – greco-romano). Assim podemos destacar a arquitetura feita par a cidade de Washington D.C., com sua arquitetura em modelo neoclássico, normalmente balizadas por elementos da arquitetura greco-romana, como as colunas com capitéis e os adornos de seus frontões. Da mesma forma Mussolini também elegeu esta arquitetura como o modelo arquitetural de seu governo. A Alemanha que já havia desenvolvido no entre guerras a arquitetura da industrialização, caracterizada pela Bauhaus, nas mãos de Hitler assume também como seu modelo arquitetural formas da arquitetura neoclássica. Mussolini era representado pelo arquiteto Marcello Piacentini e Hitler pelo arquiteto Albert Speer. Assim também a ex-URSS també elegeu como sua a arquitetura neoclássica.

Tanto o modelo ativista quanto o modelo institucional se completam no quesito em que o símbolo é mais forte que a questão técnica e a questão funcional. Lembrando que o conceito definido pelo arquiteto romano Marco Vitruvio Polião, defendido no manifesto da arquitetura, diz ser a arquitetura definida pelos três elementos fundamentais: a firmitas, a utilitas e a venustas. Sendo a firmitas o que se refere à estabilidade, à construção, utilitas que se refere à função, a sua utilidade final e a venustas que se refere à beleza, à estética. Estes três elementos devem sempre estar em equilíbrio.
Mas o campo da arquitetura ainda está muito além destes dois modelos. Tanto o é que a arquitetura de palácios e templos, o que mais se preservou da antiguidade, é somente uma parte da arquitetura. A arquitetura construída para o povo sempre teve características ás vezes não enxergada pelo olho mais desavisado. Basta saber da arquitetura das bandeiras ou bandeirista brasileira. Assim como a arquitetura tradicional ou colonial era diferente da barroca, que de tão diferente e concentrada numa mesma região recebe o nome de barroco mineiro. A arquitetura produzida pelas tribos indígenas está de certa forma concentrada num mesmo modelo arquitetônico chamado vernacular. Assim todas as arquiteturas, por mais diferentes que sejam como as dos Vikings escandinavos, assim como a arquitetura tradicional japonesa, estariam no mesmo modelo arquitetônico. Este seria o modelo da arquitetura de tradição, onde os métodos construtivos são passados de geração a geração, ligados intimamente a culturas regionais. Onde normalmente estes métodos construtivos estão ligados à presença de materiais naturais destas regiões, como madeira, pedras, etc. De outra forma, a arquitetura entendia no modelo arquitetural intuitivo, seriam as arquiteturas feitas de forma expressionista. Esta arquitetura seria a definida por expressões matemáticas ou por traços de expressão como as arquiteturas dos arquitetos Peter Eisenman ou Frank O. Gehry. Estas posturas e de outros arquitetos estariam ligadas ao local e a uma busca por entender as cidades, ou melhor, pontos específicos das cidades. Estes dois modelos arquiteturais estariam ligados a locais específicos, nunca a uma teoria de “modelo internacional”. Suas arquiteturas não fazem sentido fora de seus sítios urbanos. Ou seja, construir um pagode chinês em plena floresta amazônica seria algo sem nenhuma lógica a não ser se alterasse o conceito para aquele do modelo ativista, onde esta arquitetura nada mais fala a respeito dela mesma, mas sim a respeito de um símbolo que ela passou a representar.
Mas que isso, o aspecto atual da arquitetura, que passa a não ser mais relevante em termos culturais, mas somente relevante como símbolo de status. Assim com a dissociação do meio urbano da arquitetura, temos hoje algo que se chama por arquitetura que nada mais é que uma caricatura da arquitetura. O debate de idéias não acontece mais. Conforme boa parte das pessoas desconhece, quando acontece o desequilíbrio entre a arquitetura dita como comercial e daquela ligada a cidade, temos a impressão de que estamos numa cidade de cenários, um parque de diversões. Uma cidade que vive seu espaço urbano de forma alguma perde suas características pela implantação de certas arquiteturas.
No caso, uma teoria bem vinda é a da "terceira era da cidade", do arquiteto Christian de Portzamparc. Nesta teoria critica de forma interessante o chamado urbanismo moderno. Primeiro reflete o que seria a primeira era da cidade, e fala das arquiteturas das cidades medievais, normalmente fortificadas em que a rua e a quadra formavam o espaço urbano. Esta lógica foi alterada durante o movimento moderno, que seria a segunda era da cidade, cuja lógica era a dos objetos isolados. Seria como a implantação de inúmeras edificações isoladas e que seu espaço intermédio seria um espaço vazio. Não teria nada entre elas que se fizesse como ligação. Na sua proposição da terceira era das cidades demonstra que a segunda era queria apagar a primeira era e não conseguiu. Portzamparc sugere então a integração de novos objetos sendo implantados de acordo com o espaço existente e fazendo assim uma ligação pelos espaços intermédios. A valorização da rua é uma de suas metas, assim complementando uma outra teoria que seria a da “quadra aberta”. Onde as quadras teriam acesso aos pedestres e de carros separados. Teria ai a hierarquização dos espaços em público, semi-público, semi-privado e privado, onde sua teoria se encontra com teorias de desenho urbano surgidas nos anos 1960, onde se inicia, digamos assim, as criticas ao movimento moderno.
A cidade que não se apaga com a concentração de uma nova cidade por cima desta é um caso bastante parecido com o da cidade de São Paulo. Por seu crescimento em tão pouco tempo, na introdução do livro de Benedito Lima de Toledo, “São Paulo: três cidades em um século”, Leonardo Benévolo compara São Paulo a um adolescente que cresceu sem trocar suas roupas, assim estas ficando curtas e apertadas.

Em relação à dimensão cultural, que é o foco principal desde texto, temos ai uma nova dissociação entre cultura e arquitetura. São é a toa que a maioria dos edifícios novos residenciais siga uma estética dos neoclássicos. Uma sociedade que não soube guardar o que tinha de valor em seu sítio urbano tenta buscar num símbolo alguma referencia. O fato de edifícios novos residenciais estarem no modelo arquitetônico ativista é péssimo. Diferente por exemplo do edifício da loja Daslú, que é uma loja, e que pode ser renovado a qualquer momento, ele não é um ponto de referencia da cidade, mas sim mais uma loja, mais uma arquitetura efêmera. Por sua vez a Daslú é também muito diferente do edifício da atual loja Fnac, em Pinheiros, antigo Shopping Ática Cultural, projeto do arquiteto Paulo Bruna, que com sua implantação estimulou a renovação daquela área urbana em menos de dez anos.O fato de que um modelo arquitetônico serve bem a uma função, como o ativista para as arquiteturas de lojas e restaurantes, ele pode servir muito mal a outra tipologia arquitetônica como os prédios de apartamentos. Não é a arquitetura que define sucesso ou insucesso de um empreendimento, mas a dissociação ou associação da cultura com a arquitetura sim. No pequeno livro do arquiteto Jaime Lerner, “Acupunturas Urbanas”, podemos ver inúmeros casos onde a arquitetura, o desenho urbano e o urbanismo em conjunto com uma cultura podem fazer para melhorar os espaços urbanos. Tudo isso sem mexer na estrutura de vida das pessoas. Porque mudar a arquitetura para mudar as pessoas é de um autoritarismo sem tamanho e, como toda proposta autoritária, normalmente não encontra eco na sociedade.

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