Não achei ainda o editorial da Folha falando sobre essa tal de “ditabranda”. Mas as atividades de repúdio já chegaram até meu e-mail... Quem será o louco que botou a mão na toca das formigas? Pois uma coisa é dizer que “RELATIVAMENTE” a ditadura militar brasileira foi o regime ditatorial mais brando ocorrido em todo o mundo durante o século XX (podemos comparar com a ditadura de Getulio Vargas, as da Argentina, Chile, Cuba, URSS, China, Iugoslávia e Camboja para chegar a essa composição). Mas dizer que foi branda... Nunca uma ditadura é “branda”. Algo que mata é ruim não importando a intensidade. Algo que acaba com a liberdade é ruim, não importando se acabou pouco ou muito. O relativismo é sempre uma besteira. Mais do que isso, quem realmente defendia a democracia em 1964?
Texto de João Mellão Neto sobre o episódio:
Publicado em OESP em março de 2004 (aqui).
1964 – 40 anos depois.
Se a esquerda tivesse vencido, o regime seria menos cruel?
Eu tinha apenas oito anos de idade. Não posso, portanto, dar um testemunho sobre aqueles dias. Mal sabia o sentido da palavra política. Sou um dos filhos da geração do silêncio. Meu único contato direto com o regime se deu em 1977, quando, estudante universitário, ao participar de uma passeata, fui detido, apanhei como criança da polícia e pernoitei no DEOPS, respondendo a interrogatórios.
Texto de João Mellão Neto sobre o episódio:
Publicado em OESP em março de 2004 (aqui).
1964 – 40 anos depois.
Se a esquerda tivesse vencido, o regime seria menos cruel?
Eu tinha apenas oito anos de idade. Não posso, portanto, dar um testemunho sobre aqueles dias. Mal sabia o sentido da palavra política. Sou um dos filhos da geração do silêncio. Meu único contato direto com o regime se deu em 1977, quando, estudante universitário, ao participar de uma passeata, fui detido, apanhei como criança da polícia e pernoitei no DEOPS, respondendo a interrogatórios.
Embora não tenha vivenciado pessoalmente os fatos daquela época, já li e reli pilha de livros e depoimentos contra e a favor daquele movimento. Tive a paciência, inclusive, de recorrer à Biblioteca Municipal para, consultando os jornais e revistas da época, ter uma noção mais vívida de tudo o que se passou. Minha visão sobre o evento é, portanto, isenta e desapaixonada.
Enquanto durou foi denominado de revolução. Depois que terminou passou a ser intitulado tão somente de golpe. Mais apropriado, a meu ver seria defini-lo como "movimento de 1964". Não foi uma revolução autêntica, pois não levantou as massas. Mas também não foi apenas um golpe, porque uma razoável parcela da população brasileira o apoiou.
Enquanto durou foi denominado de revolução. Depois que terminou passou a ser intitulado tão somente de golpe. Mais apropriado, a meu ver seria defini-lo como "movimento de 1964". Não foi uma revolução autêntica, pois não levantou as massas. Mas também não foi apenas um golpe, porque uma razoável parcela da população brasileira o apoiou.
Durante vinte anos o Brasil viveu um regime político autoritário, lastreado no poder emanado dos quartéis. Um "regime militar"? Não chegaria a tanto. Com exceção dos presidentes, todos eles generais de exército, os sucessivos ministérios foram ocupados predominantemente por civis. Os militares, curiosamente, tinham uma paradoxal obsessão pela legalidade. Enquanto rasgavam a constituição, por um lado, preocupavam-se, por outro, em garantir o embasamento jurídico e institucional de todos os seus atos. O princípio de revezamento no poder foi escrupulosamente mantido e o Congresso - embora expurgado de seus quadros mais combativos, permaneceu aberto a maior parte do período. Os atos arbitrários foram legitimados com a edição de uma nova Constituição e, mesmo o ato institucional número 5 - que, na prática, instaurou uma ditadura - foi cuidadosamente justificado com princípios jurídicos. Durante todo o ciclo militar em nenhum momento se pretendeu que ele viesse a durar tantos anos. Desde Castelo Branco, o primeiro general presidente, a idéia predominante nas elites militares era a de que o regime de exceção durasse apenas o suficiente para que fossem implementadas algumas reformas básicas e, feito isso, o poder seria devolvido aos civis.
Obviamente, no que tange a direitos humanos e valores democráticos, estas duas décadas foram absolutamente condenáveis. Mas a História é uma senhora caprichosa. Ironicamente, foi durante a presidência de Médici - o período mais repressivo e sanguinário do ciclo - que o governo alcançou índices máximos de prestígio e apoio popular, como raras vezes ocorrera em toda a Era Republicana. Outro paradoxo: nunca antes - como naqueles terríveis anos - a auto-estima dos brasileiros esteve tão elevada.
Não, não há como justificar aquele regime, em função de todos os males que causou à democracia e aos direitos humanos. Mas, se nosso objetivo é extrair lições da História, temos que estudá-la em todas as suas inúmeras contradições. Um delas é a de que, durante a maior parte do ciclo autoritário, nunca a governança do país foi exercida de forma tão eficiente. Durante aqueles anos de chumbo, a economia brasileira crescia a taxas médias de mais de 10% ao ano, as maiores de todo o planeta e jamais igualadas pelos governos democráticos que vieram a seguir. Se, em 1964, a nossa economia estava por volta do quadragésimo lugar no ranking mundial, 20 anos depois, ostentávamos o oitavo PIB do planeta (Atualmente não passamos do 12º ou 15º lugar...).
As elites militares - e as civis a elas associadas - desde a criação da Escola Superior de Guerra, em 1949 - vinham meticulosamente elaborando um projeto de governo, para o país. E, em 1964, ao invés de uma breve intervenção, os "esguianos" entenderam que era chegado o momento de implementá-lo. O objetivo era alcançar uma forma avançada de capitalismo.
Durante o governo de Castelo Branco, (1964-67) promoveu-se uma radical modernização de todo o nosso sistema econômico, financeiro e tributário, o que, entre outras coisas, resgatou a capacidade de investimento do Estado.
Durante o governo de Castelo Branco, (1964-67) promoveu-se uma radical modernização de todo o nosso sistema econômico, financeiro e tributário, o que, entre outras coisas, resgatou a capacidade de investimento do Estado.
Com isso, criaram-se as condições para que, nos governos de Costa e Silva e Médici (1967-1974) se desencadeasse o fantástico "Milagre Brasileiro". O governo posterior de Geisel (1974-79), mesmo enfrentando as duas crises do petróleo, persistiu na política desenvolvimentista e, através do endividamento externo e de empresas estatais, logrou concluir a matriz industrial do país. Gostando ou não, devemos a ele o fato de o Brasil ter hoje um parque industrial completo. Nenhum outro país da América Latina logrou tal feito.
A pergunta que fica é a seguinte: será que valeu a pena?
1964 foi um "annus horribilis". Não por causa do movimento dos generais, mas porque, com o impasse criado, qualquer que fosse o desfecho, ele seria necessariamente trágico.
Chegou um momento em que todos, indistintamente, ansiavam por um golpe. Brizola, à esquerda, pregava o fechamento do Congresso para que se implantassem as reformas de base. Lacerda, à direita, pregava que o Congresso fosse fechado para viabilizar as reformas modernizantes. A direita venceu.
Indagação pertinente: se as esquerdas tivessem vencido, o regime subseqüente seria menos cruel ou autoritário? Com certeza, não.
A pergunta que fica é a seguinte: será que valeu a pena?
1964 foi um "annus horribilis". Não por causa do movimento dos generais, mas porque, com o impasse criado, qualquer que fosse o desfecho, ele seria necessariamente trágico.
Chegou um momento em que todos, indistintamente, ansiavam por um golpe. Brizola, à esquerda, pregava o fechamento do Congresso para que se implantassem as reformas de base. Lacerda, à direita, pregava que o Congresso fosse fechado para viabilizar as reformas modernizantes. A direita venceu.
Indagação pertinente: se as esquerdas tivessem vencido, o regime subseqüente seria menos cruel ou autoritário? Com certeza, não.
Vale lembrar que as esquerdas de então não eram "light" como hoje. Vivia-se o apogeu da Guerra Fria e o vezo stalinista ainda predominava. Direitos humanos não constavam de suas bandeiras e pregava-se abertamente a revolução armada, a supressão da burguesia e a ditadura do proletariado...
A democracia, em 1964, não acabou por acaso. Simplesmente não havia uma única voz que a defendesse. É uma antiga e recorrente lição da História: os povos que perdem a Liberdade pela força, pela força haverão de recuperá-la. Mas aqueles que a perdem por descaso, é muito difícil que voltem a ser livres.
Comento
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Este texto foi escrito em 2004. Alguma coisa já mudou desde lá. Como se pode ter outro mundo em 5 anos? Como os “indícios” de ditadura na Venezuela, a falta de “transparência” na Rússia (alguém lembra como chamava na época de Mikhail Gorbachev? Chamava de glasnost...) e a “abertura” somente econômica da China, sem direitos humanos, sem abertura cultural, sem liberdade (essa já é até meio velha).
O novo livro de Robert Kagan, The Return of History and the End of Dreams (2008), aborda a questão das autocracias como a China e a Russia, e a composição de uma nova ordem, que não se parece em nada àquela do começo da década de 1990. Mais do que isso, fala das barbaridades ocorridas no século XX. Fala muito pouco, praticamente nada, sobre América Latina e quanto ao Brasil fala somente ao final do livro, na sua proposta de liga das nações democráticas. É um livro anterior à crise econômica mundial. É um livro que consegue fazer bom diagnóstico da posição atual dos paises pós-Guerra Fria. Mas ainda há muito em processo no mundo. Claro, só vamos conseguir ver isto dentro de algum tempo; a história não é imediata.
Mas não nos enganemos. Não devemos deixar de estudar a ditadura militar brasileira, ou como gosto de declarar: período militar de exceção. Ela é pouco estudada e existem mitos de todas as formas ainda rondando seus estudos. Um deles é a clara apologia à esquerda, que não era nada “muito melhor” que aquela da Rússia e da China ou de Cuba, que juntas fizeram milhares de pessoas morrerem. No dia que vir um desses esquerdistas dizendo os reais planos de sua “luta” vou poder achar que chegamos a um estado de “isenção” para poder criticar a Folha com seu “ditabranda”. Enquanto isso vamos vivendo de “relativismos”...
O novo livro de Robert Kagan, The Return of History and the End of Dreams (2008), aborda a questão das autocracias como a China e a Russia, e a composição de uma nova ordem, que não se parece em nada àquela do começo da década de 1990. Mais do que isso, fala das barbaridades ocorridas no século XX. Fala muito pouco, praticamente nada, sobre América Latina e quanto ao Brasil fala somente ao final do livro, na sua proposta de liga das nações democráticas. É um livro anterior à crise econômica mundial. É um livro que consegue fazer bom diagnóstico da posição atual dos paises pós-Guerra Fria. Mas ainda há muito em processo no mundo. Claro, só vamos conseguir ver isto dentro de algum tempo; a história não é imediata.
Mas não nos enganemos. Não devemos deixar de estudar a ditadura militar brasileira, ou como gosto de declarar: período militar de exceção. Ela é pouco estudada e existem mitos de todas as formas ainda rondando seus estudos. Um deles é a clara apologia à esquerda, que não era nada “muito melhor” que aquela da Rússia e da China ou de Cuba, que juntas fizeram milhares de pessoas morrerem. No dia que vir um desses esquerdistas dizendo os reais planos de sua “luta” vou poder achar que chegamos a um estado de “isenção” para poder criticar a Folha com seu “ditabranda”. Enquanto isso vamos vivendo de “relativismos”...
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