outubro 25, 2009

A Cigana

Caminhava eu sozinho, olhando para o chão. Era uma noite nublada - certo que um dia pode ser nublado; não uma noite. Mas aquela noite era nublada – e o chão estava um pouco úmido. Os meus sapatos negros de couro pareciam já bem encharcados e havia muito ainda a caminhar. As pernas já davam sinais do esforço e os pés do desconforto daqueles belos sapatos negros. Pensava eu: se eu fosse mulher faria sentido usar um sapato desconfortável por seu aspecto estético – lembrando sempre de uma amiga que diz que sapato é como lingerie: se é bonita não é confortável; se é confortável não é nem bonita e nem muito menos sexy -, mas era quase o uniforme daquele trabalho péssimo que era obrigado a fazer. No começo tudo parecia tão bonito, aquele shopping, muitas garotas, lojas de muito bom gosto, produtos especiais e importados – e, claro, não era perto da época de natal. Mas o tempo passou e apareceram também as pessoas chatas e mal amadas. O inferno estava ali. Até os sapatos que não brilhavam era motivo para um olhar depreciativo. Minha vontade era usar camisetas do Ramones, All Star e jeans surrado. Mas não. Os sapatinhos de couro preto eram uma das minhas ferramentas de trabalho. As camisas e as calças não me incomodavam, mas aqueles sapatos...

Mas aquela noite era diferente. Naquele horário o caminho de casa, em que ônibus e metrô já não mais estavam disponíveis, era uma longa caminhada. Não sei ainda como tinha sorrisos até pouco mais de vinte minutos antes, na hora do fechamento da loja. Se pensasse nessa caminhada acho que nem sairia da cama no dia seguinte. Mas aquela noite me sentia diferente. Não sabia definir aquele sentimento. Quando repentinamente me deparei com aquela mulher. Aquele vestido vermelho, de gala, parada de pé em meio à calçada. Era uma visão um pouco maluca para explicar para alguém. Era bela, mas ao mesmo tempo assustadora. E mais assustadora ao vê-la descalça com aquele belo vestido. A cada passo me aproximava mais dela. Seria ela uma miragem? Certo que miragens acontecem em desertos... Tinha uma pele bem branca, como uma criatura das noites, aquelas que habitaram a minha mente durante a infância. E das mesmas lembranças da infância surgiu uma da qual a minha atual psicanalista dizia ser uma representação de um desejo - e eu sempre senti que era a minha salvação. E logo parei. Ela então conversou comigo. Perguntou-me se eu era aquele garoto que sempre andava com um coelho azul pela mão – igual ao da querida Mônica. Perguntou depois do meu carrinho vermelho, que havia ganhado no aniversário de 8 anos de idade - e havia perdido numa viagem. Eu estava parado. Sem responder nada. Não sei dizer quanto tempo mais ela me questionou contando parte da minha vida. E ela parecia igual àquelas imagens da infância. Logo me tocou a mão. Senti uma segurança incrível naquele ato. Passaram-se alguns minutos, em silêncio, nós nos tocando. Se pudesse dizer uma única frase diria que ela é a paixão recolhida de toda minha vida. Os cabelos pareciam diferentes da época de infância. E logo me disse:

- Pronto. Vá para a casa de seu amigo Carlos.

Não entendi muito bem e logo ela dobrou a esquina, desaparecendo - em passos elegantes, como pequenos pulinhos de uma adolescente em chamas. Logo retomei minha caminhada rumo a minha casinha, quando avistei um tumulto enorme em frente ao meu prédio. Carros de polícia e um do corpo de bombeiros. Era um incêndio e meu apartamento fora uns dos queimados. Foi por conta de uma explosão, cerca de cinco minutos antes da minha chegada. Meu desespero era enorme. Principalmente lembrando que antes do incêndio da casa dos meus avôs tinha também encontrado aquela cigana, isso ainda na minha infância. Agora não tinha mais nada. Para onde iria? Foi quando percebi porque falou para ir para a casa do Carlos. Tomei então uma carona com a viatura de polícia rumando para o apartamento do Carlos, poucas quadras do meu. Bati em sua porta e lá estava ele com duas amigas – uma delas a cigana descalça. Ele então me falou para entrar que tínhamos muito a conversar. A cigana tinha trazido minhas roupas, fotos, cds e livros. Tudo estava na sala do Carlão. A vitrola então rolava uma música do Deep Purple, bastante significativa:

Tell me gypsy can you see me
In your crystal Ball
I'm asking you what can I do
My back's against the wall
And I can't hold on much longer
So I've come to you my friend
For now my life seems at an end
I came to see you once before
One hundred years ago
You took my hand and broke the spell
That should have let me go
But my years have gone so slowly
So I'm here again my friend
For now my life is at an end


The Gypsy – Deep Purple (1974)

O Lavabo

Tivesse você a possibilidade de fazer “o lavabo dos seus sonhos”, como ele seria? Eu já decidi. Não só decidi como também já “copiei” em projeto certa vez... Isso pode ser plágio ou inspiração. Prefiro dizer que era uma inspiração, já que não havia a mesma intensidade dos materiais deste da foto, projeto do escritório Jacobsen + Bernardes. Ultimamente venho prestando muito mais atenção aos materiais utilizados nos projetos. E eu que um dia houvera dito que achava esta questão sobre o uso dos materiais empolgação filosófica arquitetônica dos anos 1980...
No momento atual começo a me preocupar não só com os materiais, mas com uma condição de utilizá-los. Entender as características do uso dos materiais naturais; compreender o efeito que cada um tem por sua natureza e não mais só o uso “genérico” – aquele que se expressa dessa forma: “madeira”, “pedra”, “mármore” – e o seu uso no contexto completo do projeto. Mas tem ainda algo que sempre foge do controle: as partes vivas do projeto. Nesse mesmo exemplo de lavabo, o jardim tem vida. Ele cresce, seca, em suma, se transforma. Conforme já havia falado numa postagem anterior, o novo conceito de sustentabilidade acaba por trazer do passado o uso dos materiais naturais, principalmente a madeira, por ser renovável. Mas como pensar em madeira numa área molhada como o lavabo? Então parte-se para o uso das pedras naturais, juntamente por seu menor impacto ao meio ambiente. E, além disso, nasce uma arquitetura totalmente nova sempre – onde o lugar, a textura, a forma, os veios das pedras, fazem ser sempre únicos estes ambientes. Este texto pode ter ainda mais outras dimensões e prolongamentos, questionamentos e focos, mas o que quero colocar aqui é como a simplicidade de um pequeno ambiente com uma pequena dose de arquitetura pode ser tão diferente de tudo o que se viu antes - e nada disso tem uma diferença financeira tão relevante, ou seja, não é uma questão de economia ou custo, mas de arquitetura pura. E como não se pode tratar de um caminho arquitetônico a partir de um simples (nem tão simples assim) lavabo?

outubro 22, 2009

E não deu Rubens mesmo...

Bem, era de se esperar que Rubens não ganhasse a corrida. Não por nada, depois de Ayrton Senna não houve mais nenhum campeão do mundo brasileiro. Além de Felipe Massa, nem em Interlagos algum piloto brasileiro ganho mais... Não seria o sem sorte do Rubens que ganharia.

Agora, que foi mal mesmo com ele foi José Simão: “(...) Agora piada pronta foi a manchete que o Simão viu no caderno de esportes da Folha na véspera da corrida: Novos freios empurram o Barrichello! Rarararará.
E aí teve a corrida. E o Rubinho não ganhou! Normal. Ele não pode ganhar porque ele é o nosso anti-herói, ele tem que fazer coisa engraçada. O Rubinho é o nosso piloto trapalhão. O pneu furou... mas o pneu não fura nem na rua mais. É piada de antigamente: atrasei no trabalho porque o pneu furou.
Até a mãe do Simão brincava: furou o pneu do bonde! De tão antigo que isso é!(...)” (aqui)

outubro 17, 2009

E amanhã vai dar Rubens?

Dois pilotos de segunda classe disputam um campeonato em que as três maiores estrelas da Fórmula 1 atual não ascenderam durante o ano inteiro. Uma delas, a única com verdadeira causa, foi Felipe Massa, cujo acidente quase o afastou em definitivo das pistas. Era e é o piloto que mais gosto de ver correndo. Sem ele o campeonato fica bem chato e sem muito interesse. Fernando Alonso, que ganhou dois campeonatos com Michael Schumacher nas pistas é a outra estrela que neste ano não brilhou. O espanhol merece todo o crédito que teve e tem. Lewis Hamilton, que não gosto do jeito que corre, é um piloto jovem que nunca vai ter mais do que já teve... Não creio que venha a ser tão melhor do que mostrou até aqui. Mas, contudo, é um campeão mundial. Rubens Barrichello, com toda sua experiência, não é campeão mundial e creio que não venha a ganhar amanhã em Interlagos. Não acho que ganhará nem a corrida... Se ganhar será uma boa festa, para ele... De resto o campeonato não teve lá muita emoção este ano, principalmente ao se comparar com o de 2008.

outubro 12, 2009

O Nobel para Obama...

Não entendi nada. O Nobel não é uma menção, uma láurea, uma homenagem, aos que fizeram algum fato notável em prol da humanidade? Pois bem, quero eu saber o que Obama fez pela paz em incríveis nove meses? Juro, não consegui encontrar nada para tamanha menção. Mas de qualquer forma, este mundo louco esta me deixando são demais... Vou deixar de tentar entender certas coisas... Só espero não ter que ouvir de alguém um dia as saudades de George Bush... Algo como pude ouvir aqui por estas terras: “Nada pode ser pior que o Sarney...” (quando da posse de Fernando Collor).

Geneton...

Geneton Morais Neto é um jornalista que já falei por aqui algumas vezes de seus livros (aqui e aqui, por exemplo). E até hoje ainda não sei o que ele particularmente pensa. Um jornalista de mão cheia, que já vi entrevistas desde José Sarney a Caetano Veloso, além desta última (que li, de 2004) com Paul Johnson (esta foi uma dica do blog do Daniel Piza). Navega pelos assuntos da política, dos grandes acontecimentos – como o narrado em Dossiê Moscou -, da música e de personalidades. Sempre com grande quantidade – e qualidade - de informações. Atualmente leio uma quantidade de jornalistas além da habitual quantidade de artigos acadêmicos – estes ultimamente andam-me “estressando” um bocado. Na verdade nem são tantos jornalistas assim, e praticamente todos ligados a cultura ou aspectos culturais. Como dizem por aí, o jornalismo cultural anda em alta... Pelo menos nas minhas leituras informativas...

Para novembro...

Estava sentado lendo um texto que foi publicado em O País dos Petralhas quando me dei conta de que exatamente neste dia 07 de outubro fez um ano que eu peguei autógrafo e bati um papinho com o Reinaldo Azevedo – ele autografou tanto O País dos Petralhas quanto Contra o Consenso, este último assunto do nosso breve bate-papo. E não é que para minha surpresa em novembro chega às livrarias o terceiro livro dele: Máximas de um país mínimo. O engraçado é que quando comecei a ler seu blog tinha um pé atrás com ele, por ele ser “muito tucano”... O mais interessante não é discordar dele, como fazem petralhas a rodo mundo a fora, mas entender a complexidade de pensamentos por trás de suas palavras. Não à toa este livro foca exatamente nessas palavras. Um trabalho até inédito (nem tanto) e ainda mais interessante porque feito pelo próprio autor. Mas que a saudade de um crítico de literatura e de cultura geral ainda é maior que suas palavras sobre a política (talvez, a falta dela) no Brasil. (aqui)

E o futebol...

Quem diria... outro dia fiz uma listinha de pessoas “meio intelectuais” que gostavam de futebol. E nesta lista não constava o nome do jornalista e historiador Marcos Guterman que acaba de lançar O Futebol Explica o Brasil. Tempos atrás eu e mais outros fãs de haevy metal tiramos satisfações com ele sobre um comentário (dele), que já foi para blosfera faz tempo, da capa do disco de Megadeth - United Abominations. Se não me engano em 2007. Após isso venho acompanhando muito suas postagens no seu novo blog. E se não bastasse isso, ele escreveu belíssimo texto este ano no Livro do Ano Barsa, para os que sabem do se trata um “livro do ano”...
Bem, o livro ficara numa fila para possível presente de final de ano e entrará na incrível listinha de títulos a ler. De uma coisa tenho certeza: deve ser muito bem feito e deve ter inúmeras histórias engraçadas no meio.

outubro 01, 2009

Tecnologias...

Começo contando uma velha piada, cheia de pormenores ideológicos e carregada de um sentimento que a cada dia vejo se esvaziar das mentes pensantes:

“Os engenheiros americanos da NASA desenvolveram uma caneta que possa escrever mesmo sem a força da gravidade. Uma caneta que pode funcionar na lua. Uma perfeição, uma esferográfica que independente da pressão atmosférica terrestre escreve. Já os cientistas do programa espacial russo adicionaram aos materiais de seus vôos um lápis...”

Essa história serve para ao mesmo tempo apresentar duas questões que passam dia sim, dia não, no meu cotidiano: certo nacionalismo bocó e a valorização de tecnologias inúteis.

Certa vez estava com um primo e este me disse que enquanto o celular dele funcionar ele estará a utilizá-lo. “Para quê celular com câmera, com música, com e-mail ou televisão? O importante é que se consiga ligar para as pessoas.” Por sinal há muito de verdade em seu pensamento. As tecnologias usadas de forma vulgar nada mais são do que meros brinquedos para adultos. Assim como muitas formas outras de tecnologia, simplesmente servem como passatempo e diversão sem praticamente nada adicionar a vida cotidiana. Hoje fico feliz com meu BlackBerry, onde posso ver e mandar e-mail praticamente o dia todo de qualquer lugar. Logicamente se este serviço me custasse muito caro eu o dispensaria. É mais uma questão de mercado do que de tecnologia. Diga-se de passagem, que desfazer esta associação entre mercado e tecnologia é condição para a “demência das ambições tecnológicas”.

Começando com a questão da caneta que escreve na lua, ela realmente existe. E hoje é algo até normal. São aquelas canetas com um refil de aço, normalmente da Parker ou outras cujo refil é um tubo vedado sob pressão. Claramente o lápis resolveria o problema, mas a caneta é de uma precisão incrível e hoje além de um sinal de tecnologia é um sinal de status. Essa questão do status ainda move muitas das relações humanas e é algo que move de certa forma a industria e assim o financiamento de novas tecnologias que podem ter utilidades muito mais amplas, entre elas, uma da moda, é o GPS. A principal questão da tecnologia é que ela sempre trás algo novo, que pode melhora a vida e uma desvantagem, muitas vezes imperceptível. No caso do GPS parece óbvio o benefício: encontrar as ruas e não se perder mais. A desvantagem, nesse caso, é moral. Com o GPS você pode ser rastreado, monitorado assim como a ficção mais absurda de George Orwell (não necessariamente, claro...).

A outra questão apresentada de forma ideológica na piadinha é a de tratar sempre de bobos os americanos, para valorizar as idéias soviéticas, aquela idéia marxista, predominante durante a Guerra Fria. Por sinal, bastante influente até mesmo no Brasil de hoje... Esse pseudo-nacionalismo demonstrado por meio de um antiamericanismo é de uma estupidez voraz. Certo que ainda existe um grande número de pessoas que ainda resistem em pensar como colonizado, simplesmente colocando o mundo sob duas visões: uma européia e outra americana. Como se fosse possível esquecer o oriente, ou mesmo a questão do Oriente Médio. E mesmo essa visão já naufraga levando em conta a diversidade cultural dos povos europeus... Ou seja, as duas questões que parecem desconexas – a tecnologia e o nacionalismo bocó – tem uma enorme conexão, principalmente ao se falar que hoje as tecnologias não são mais monopólio de americanos, ingleses ou alemães, mas também disputam os mercados os japoneses e mais recentemente os chineses e indianos. E hoje se falar em nacionalismo em termos tecnológicos é como se falar em parar de comer hambúrguer e tomar coca-cola por ser “coisa de americano”.

Mas ainda ao se falar de tecnologia existem certas questões cuja tecnologia ainda é a mesma de muitos séculos atrás. Principalmente ao se cogitar o conceito de sustentabilidade, como na construção civil, onde hoje há a valorização de materiais naturais, como as pedras e as madeiras, por sua menor agressão ao meio ambiente. Mas pedras e madeiras nada mais são que os materiais utilizados à séculos nas construções... Como numa letra do primeiro disco dos Engenheiros do Hawaii (achou que eu não citaria nada deles, sempre surpreendo em encontrar nas letras do Humberto alguma pertinência...) “Você/ que tem idéias tão modernas / é o mesmo homem / que vivia nas cavernas (...)” (Crônica – 1986), como também não podemos esquecer que nem toda a tecnologia pode substituir a presença humana. De que adianta um edifício finamente projetado na mais alta precisão tecnológica se ainda hoje muito do trabalho é feito de forma artesanal? Sabe-se que a industrialização teve suas fases, como as descritas nos trabalho de CIRIBINI, dos anos 1960, assim como a tecnologia, hoje são indiscutíveis seus benefícios na vida atual. Mas dizer que hoje se vive muito melhor que em séculos passados não é de jeito nenhum dizer que se evoluiu. Simplesmente há descobertas que se traduziram em conforto, o que só vai ser avaliado nos próximos séculos, onde alarmistas como Al Gore e outros serão lembrados (se forem lembrados) como mais alguns malucos que se recusavam a aceitar a lógica de que “não há ganho sem dor” (esta frase data de uma palestra que assisti em 1993, do inglês No pain, no gain). E a cada vez que entro nessa questão tenho em mente o que certa vez Zeca Camargo comentou sobre qual a diferença entre nascer aqui no Brasil ou num lugar como aqueles que visitou em suas duas voltas ao mundo. São estas pequenas sementes que me fazem pensar que ainda existe algo por entender além desses clichês todos, e que há vida sem essa parafernália tecnológica que parece aprisionar as pessoas, ou fazer delas pessoas como Mersault, de O Estrangeiro de Albert Camus.

Os três textos

Já que continuo aguardando o Renzo Piano da postagem anterior – comprar a Black Friday é isso: o melhor preço, porém, não chega nunca – aca...