julho 02, 2009

Interferência americana

Sempre me pergunto sobre a possibilidade real de se ter no mundo outro país como os Estados Unidos. Só lá há a verdadeira liberdade de ser antiamericano sendo americano. A liberdade de poder ser contra a liberdade. A liberdade de poder ser a favor do fim da liberdade. Bem, é muito estranho mesmo um país ter uma economia aberta, bastante competitiva, às vezes até selvagem, mas nunca centralizada ou de comando único. Não compreendo a total vulgarização da expressão “os americanos”. Seria como falar que “os brasileiros”. Como se existisse algum comando central aqui no Brasil. Aqui as coisas não acontecem por ser o país do “direito adquirido” e dos cartórios. Não o país da livre competição, do mérito. Uma vez, numa bela explanação, um economista falou de sete problemas principais do Brasil: 1 - O culto da inveja; 2 - O culto do direito adquirido; 3 – O culto do mundo do “menos”; 4- O desprezo do civismo; 5 – O culto da geografia; 6 – Baixa cristianização; e 7 – A miséria da cultura do Brasil. Claro, sobre estes pontos poderia escrever por horas, sem parar... Mas o que queria colocar é sobre a falta de capacidade de pensar fora de um esquema de conspiração imaginária.

Quando se fala de uma Rússia, de uma China, vemos claramente que as coisas são centralizadas, onde há uma verdadeira condição para que o Estado avance, principalmente sobre as liberdades individuais e sobre as idéias. Nos Estados Unidos somente nas áreas em que o Estado é requisitado ele está presente. Nos últimos tempos há uma clara revisão nestes termos e isso não é entendido quando se observa a sociedade de fora do país (caso da saúde pública, por exemplo). Mesmo quando no país, algumas pessoas pensam de forma equivocada. Eu mesmo não entendia certas atitudes, quando lá morei. E fui entendendo aos poucos ouvindo e vendo aqueles conceitos que na Europa chamam de universais. Por lá já passaram desta fase e os Estados europeus em muitos casos ainda não sabem lidar com as demandas da sociedade. Há por sinal questões econômicas de ordens distintas, e de ordem social muito semelhante. Mas estas todas buscam fugir de uma forma autoritária, às vezes mais branda, às vezes mais dura, do politicamente correto.
Mandaram-me e-mails sobre o que escrevi a respeito dos problemas a serem enfrentados por Obama. A grande maioria sem a menor condição de debate. Coisas como “você não acredita nele”... Se um dia tivesse acreditado não teria “torcido” para o McCain... Obama não é um candidato do “politicamente correto”, conforme muitas análises “profundas” tendem a me contradizer. Ele é um democrata típico, sem maiores diferenças. Quando confrontado no dia-a-dia político tende a dar respostas típicas dos democratas. Mas uma questão é inacreditável, e com Obama no comando fica óbvia: não há influencia conspiratória dos americanos no mundo! A interferência americana ocorre de várias formas, mas nunca por meio da CIA, como querem sempre afirmar aqueles “grandes homens” que esquecem que existe outro lado na Guerra Fria. O mais incrível é deixar de falar sobre fatos para falar sobre hipóteses.
Um fato óbvio esta na reportagem do El País, no dia primeiro de julho, com o historiador Paul Kennedy. (O engraçado aqui, é que tem gente que nem lê o Estadão, quanto mais falar sobre a The Economist ou do El País; ou do meu predileto Le Figaro... e olha que meu francês é desastroso... e ainda se dizem “informados”. O pior de tudo que essa mania de ir aos jornais estrangeiros começou na Copa de 2002, com um jornalista da AllTV; vivia por lá enchendo a paciência de vários deles e acabei aprendendo alguma coisa com eles.) Paul coloca o Irã como uma das questões em que os Estados Unidos nada pode fazer de concreto no momento. Porém, olhem só o que diz o “outro lado”, por Marcos Guterman: “Mohammad Hassan Ghadiri, embaixador do Irã no México, acusou a CIA de estar por trás do assassinato de Neda Agha-Soltan, a mártir da oposição iraniana. (...)” (aqui).
São por estas e outras declarações que eu destaco que existem jornalistas sérios, como Guterman, que pelo título dá o tom da notícia – Os indecentes adoram uma teoria da conspiração – e outros que resolvem discutir hipóteses. Mas não pára por aí. Isso qualquer um com um pouco mais de inteligência sabe que não é verdade. Mas sempre há “os americanos”... Essa “entidade” que “domina” o mundo... Os tais “imperialistas”...
Sempre que me perguntam algo sobre política internacional normalmente meu interlocutor já tem a opinião formada. É uma constante: pergunta só para ter certeza de que está certo e eu, quando digo o contrário, inicio um debate, em que eu terei que ser “convencido” do contrário... Então para que o questionamento? Parecem aqueles chatos que me perguntam sobre Darwin. Não sei nada de “evolucionismo”. E nem quero saber. Finalmente já se foram seus 200 anos e espero não ter que ouvir mais nada sobre ele. Ou na época da eleição de Sarcozy, onde tinha gente que gostava de Segolene Royal só por ser mulher; nem sequer sabiam qual a plataforma política dela. Vejam só, muitas criticas a Sarcozy, mas nem sequer lembram o nome dela nos debates... Para ver que “relevância” ela tinha. O debate no Brasil é pobre porque sempre pautado por um único ponto de vista. E mais que tudo, porque não há cultura de verdade circulando. Quem leu mais de dez livros (depois da escola) sabe do que estou falando. Política é sempre pragmática. McCain não era muito melhor que Obama; um “queridinho” da imprensa democrata, que virou bicho papão quando real oponente com possibilidade de ganhar a eleição. Sempre é bom lembrar que a votação de Obama foi por volta dos 53% do eleitorado. “O cara” é outro; não é Obama que tem aprovação de 84% (próximo do que Sarney obteve como presidente da república, na época do plano Cruzado). Lá, “os americanos”, possuem oposição... E por incrível que pareça ela representa a sociedade. Aqui acham que a política é a origem das demandas da sociedade. Espera-se da política algo que não é de sua natureza. E só por aqui que conseguem acreditar na CIA... Agora, falar da KGB, aí sim, você é um “teórico da conspiração”. Para eles cito sempre o livro de William Waack, Camaradas nos Arquivos de Moscou.

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