(escrito em 22/06/2008)
Uma coisa comum em textos autorais é que aquelas idéias ali representadas são idéias do autor. Não. Na verdade o autor pode usar idéias de outras pessoas, mesmo concordando em parte ou discordando. Não há problema algum nisso, desde que expressas as fontes, quando idéias de outro autor.
Vejamos por parte: um comentário anônimo que recebi, em parte irônico, em parte inquisidor, sobre um texto que publiquei aqui, com as devidas fontes citadas, foi entendido como texto de minha autoria e mais ainda, mal lido. Digo isso porque no comentário a pessoa parece ter lido um parágrafo e imediatamente esquecido o anterior.
O comentarista deu atenção à frase que dentre todas as soluções anteriores apresentadas era talvez a de menor importância e de mais complexa implementação, com, agora dando minha opinião, talvez menor possibilidade de resultados concretos. Vamos à frase: “Para completar, o governo federal deve deixar a política eleitoreira fora dos corredores da Petrobrás e aumentar o preço da gasolina, pois o maior inibidor dos deslocamentos supérfluos é custo do quilômetro rodado.”
Esta frase junta com a incrível frase (que também já li nas dependências da famosa loja) – “Enfim, aos motoristas brasileiros que insistirem em usar o carro, fica o recado da Daslu: Existe sim um mundo melhor, porém é caríssimo.” – faz total sentido para o texto e para a frase anterior. Já, sobre outros aspectos, tinha escutado a frase de uma maneira menos arrogante, e com um autor, Thomas Edson, que se referia a um futuro onde somente os muito ricos poderiam utilizar velas para sua iluminação.
O texto em si é muito bom, coeso e sincero, e a ironia do comentarista a respeito das pessoas que utilizam o automóvel para trabalho e não para passear, é tão válida quanto a de que uma mulher não pode viver sem diamantes. É uma visão um tanto curta e ainda justificada com o velho truque de por a culpa no governo, que era exatamente o que o parágrafo anterior do texto tratava. (“Medidas como: priorizar a qualidade e a quantidade do transporte público; proibir o estacionamento no leito carroçável de ruas praças e avenidas; exigir de edifícios e estabelecimentos comerciais áreas disponíveis para caçambas de entulho; levar a Zonal Azul do leito carroçável para terrenos especialmente criados para estacionamento; proibir o tráfego de veículos de carga no horário de rush; restringir operações de descarga ao período noturno; extinguir o rodízio e criar o pedágio urbano; implementar a inspeção veicular anual completa (segurança e ambiental); retirar de circulação em caráter permanente carros velhos e sem condições mínimas de segurança e fiscalizar com rigor o pagamento de tributos, licenças e multas apreendendo os veículos irregulares.”)
Era como se o comentarista discordasse concordando. Aquelas coisas bem cruas, de alguém que lê algo muito por cima e mais que tudo, insiste em ter “uma opinião formada sobre tudo”. E claro, essa opinião tem que ser sempre a de que “soi contra”, mesmo que seja favorável. É típica do “país dos petralhas”. O que poderia ser desculpa, a de que estava lendo por alto, não se justifica, pois até a cópia da frase executou para preencher seu comentário com mais caracteres.
Se fosse um comentário bem formado, como o feito por uma amiga, que dizia ter isso uma implicação muito maior na economia, muito mais incomoda que o trânsito, eu até entenderia e mais, era o que eu esperava. Os comentários ao meu blog são em muitas vezes proferidos pessoalmente a escritos nele, por um motivo quase óbvio: ele é de leitura restrita e bastante confuso. Não sei como melhorar isso, se não já teria feito... E mais que comentários, os textos são abertos e não dogmas fechados.
O sabor das idéias é exatamente a reflexão lenta delas. As idéias executadas, a identificação das origens conceitos que nortearam as medidas tomadas, tanto relacionados com a mentalidade da época em que foram elaborados, como quão estranhos lhe parecem hoje, são questões muito mais complexas que a exposição nua delas. Se eu tivesse a incrível solução para o trânsito eu acredito que estaria lutando muito mais por elas. Tornaria-me um ativista. Mas não, somente relaciono as questões de ordem temática para alguma solução, algum debate. Não faz parte do meu tema de estudos e nem mesmo da minha atual atuação profissional estudar o caos do trânsito paulistano, mas é um tema muito interessante. È de se entender que no “país dos petralhas” as pessoas devam ter uma opinião para tudo e a “solução final”. Afinal, as “cartilhas” negam a existência da pluralidade das idéias.
Eu ironicamente perguntaria ao comentarista se já leu Jane Jacobs. Se Kevin Lynch tem a solução. Se Aldo Rossi mostraria algum caminho. Se desde os anos 1960 já se estudava a problemática destes temas relacionados e não se tem soluções completas, é de se esperar que a contribuição seja complicada mesmo. Há ainda de lembrar o pequeno livro de Jaime Lerner – Acupunturas Urbanas – cujo “efeito Orloff” pode ser encarado de maneira mais aberta. Para melhor dizer, o trânsito de Curitiba de amanhã pode ou não pode ser o de São Paulo hoje? A reflexão sobre este pequeno texto de editorial do newsletter do Instituto de Engenharia pode ser muito mais amplo que uma simples crítica a governos anteriores.
Sejamos mais claros ainda. Paulo Maluf quando prefeito biônico de São Paulo inaugurou o metrô, projetado por seu antecessor Faria Lima. Somente com Gilberto Kassab tivemos outra vez investimento da prefeitura de São Paulo nas obras do metrô. Em trinta anos o metrô não cresceu o que se esperava e mais ainda teve enormes dificuldades de implantação dentro do tecido urbano. A linha 4, linha amarela do metrô, mostrou muitas destas dificuldades invisíveis aos olhos de leigos repetidores de slogans “pseudo-revolucionários” com poucos miolos derretidos por doses elevadas de poluidores mentais. Vou somente levantar uma delas: os trens de metrô são projetados para subirem inclinações na base de 4% a 5%. Qual é a inclinação existente no tecido da cidade entre a Estação da Luz (quase às margens do Rio Tietê, afastado na borda da antiga área de várzea do referido rio) e a Avenida Paulista, mais especificamente a Estação Consolação do metrô (no Espigão da Paulista, um dos pontos de mais elevada cota de São Paulo, não à toa o bairro se chama Bela Vista...)? É muito simples pensar em “planta”, como num guia de ruas. Mas a realidade da topografia é outra.
Ser leigo não é problema algum a nenhum tipo de sociedade. O problema são os “palpíteres”. Para palpitar sobre a linha 4 amarela eu tive ao menos contato em mais de algumas vezes com todos os projetos, inclusive aqueles além da Vila Sônia. No fundo meu interesse mesmo estava na linha 5 lilás... Fazer o que, como Umberto Eco já afirmou (não exatamente com estas palavras), todo estudo pode servir a alguma coisa, mesmo que você ainda não saiba para quê.