Dilma pode ser a primeira mulher a ser eleita presidente do Brasil. Ninguém sabe quem vai ganhar a eleição, nem mesmo os institutos de pesquisa afirmam seus números com convicção. A prudência parece ter aparecido depois dos resultados “estranhos” do primeiro turno, onde as urnas mostraram resultados bem diferentes dos dados das pesquisas – aparecendo hipóteses das mais diversas para explicar o inexplicável. Agora trabalham na hipótese da campanha de Dilma ter alguma fadiga e que Serra estaria fortalecido. Mas uma unanimidade é que Marina Silva foi o fator decisivo para se ter o segundo turno. Discordo em parte desse pensamento, mas com certeza sua terceira via foi importante para o debate democrático, aquele que Dilma e o PT não queriam – eles queriam é um debate entre Fernando Henrique Cardoso e Lula, que não concorrem nesta eleição e é um debate ainda por ser escrito e discutido, mas não é cacife eleitoral de nada e de nenhum dos dois candidatos, explico mais para frente este fato.
Porém, como a eleição está indefinida, vale ressaltar que a campanha está ainda muito aquém de outras eleições passadas. Outro dia ao perguntar para um amigo sobre quais eram as reais propostas de Marina Silva houve aquele mesmo vazio de que quando se pergunta quais os pontos positivos do governo Lula: o total discurso cinzento, cheio de temas gerais e poucos números e poucas reais propostas concretas. Marina ainda consentia em fazer plebiscitos sobre vários temas, inclusive o tema da moda do início da campanha do segundo turno, a legalização do aborto. Não há muita discussão desse tema, primeiramente porque se hoje fosse feito o tal plebiscito muitas das máscaras cairiam por terra – e os petistas sabem do que eu estou a falar. E mais uma derrota para as esquerdas no geral não está na pauta. Sempre é bom lembrar: a legalização do aborto é uma temática de esquerda, da esquerda atual, que também defende o casamento homossexual, a liberação das drogas, a repressão religiosa (poderia usar outro termo, mas nada é mais preciso como “repressão”, que é o que a esquerda quer ao proibir o uso de símbolos religiosos, seja onde for) entre outras temáticas que são o completo oposto das “incríveis” idéias marxistas universalistas. Hoje a esquerda tem uma agenda bem pouco universalista e bastante contraditória. É, deve ser por conta da queda do muro de Berlim e da extinção da União Soviética que os planos universalistas, da sociedade perfeita, se transformaram em causas assim tão pequenas e numa agenda a ser seguida com viés antidemocrático e defendida quase na ilegalidade (na verdade, nenhum partido de esquerda no Brasil fala destas temáticas de forma clara, obviamente – se não iriam ter menos votos ainda... E político no Brasil pensa antes nos votos do que nos princípios).
Mas deixando de lado “a verdade sobre a esquerda”, que todo mundo sabe, vamos ao ponto que me chama a atenção: estão novamente tentando abrir o debate sobre as privatizações. Outro dia, no vôo de volta para São Paulo, um senhor me disse que o Serra é a favor da privatização da Petrobras. Não li isso em nenhum lugar e tenho a carta de intenções de Fernando Henrique Cardoso da eleição de 2006, onde falava claramente que as privatizações da Petrobras, da Caixa e do Banco do Brasil nunca estiveram nos planos de governo do PSDB. Haviam falado a mesma coisa sobre Geraldo Alckmin naquela ocasião. Serra já foi contundente ao dizer que se fosse ruim Lula teve oito anos para reverter. Se não o fez é porque deve ter tido algum detalhe que ele não quer contar para nós, talvez por ser extremamente positivo ao PSDB... Minha posição neste tema é bem diferente. Sim eu sou a favor da privatização e do Estado Mínimo. Mas o PSDB não é... Quase um problema votar no Serra por conta disso. Sem contar que a lei sobre o cigarro, que é também bem popular, nada mais é que uma arbitrariedade. Mas tirando estes detalhes que eu vejo como negativos e a grande maioria da sociedade brasileira vê com bons olhos, Serra vai indo muito bem em seus discursos para as pessoas civilizadas... Basta agora falar aos selvagens...
Em política, muitas vezes, o conceito maior, o que realmente conduz o debate político, tende a ser suprimido por uma avalanche de distorções, tanto de um lado como de outro. Enxergar estas qualidades intrínsecas leva além de muitos anos de democracia, muito mais discussão sobre a sociedade do que a campanha política é capaz de fazer. Hoje não se discute o que se quer para o Brasil. E não se discute isso desde o governo militar. O Plano Real, do governo Itamar Franco, idealizado e executado por Fernando Henrique Cardoso, levou o Brasil a um patamar mais avançado de discussões. O controle da inflação era situação primaria para que então se discutisse uma visão de Brasil. O Plano Real mostrou-se eficiente e conduziu a este debate, que além do PV – Partido Verde, não existe ainda sequer menção disso nos outros partidos. O DEM, antigo PFL, iniciou seu debate interno, mas ainda não tem sequer bandeiras assumidas e um plano de Brasil para defender. As universidades, os intelectuais e de forma geral o empresariado brasileiro, também não tem um plano, uma proposta. Parecem viver o dia-a-dia, na eminência de alguma luz. Uns fingem dizer que o Brasil se acertou no governo Lula, desprezando a etapa conseguida pelo Plano Real. E eis então que chego naquele momento de dizer o porquê nem Serra e nem Dilma são defensores de seus respectivos antecessores FHC e Lula: porque Lula é de certa forma o continuador da obra de FHC. Ou seja: desprezar que Lula é um governo de continuidade é o mesmo que dizer que tanto Dilma ou Serra farão mudanças estruturais... Não. Marina Silva estava correta: será a continuidade dos últimos dezesseis anos de governo - em todas as suas partes positivas e negativas. Não há planos, não há bandeiras, não há nada mais que melhorias e maquiagens, que politicagem e “gestão”, que negociações e tentativas de autoritarismos e a continuidade de um Brasil – país do futuro, que nunca chega...
Então qual seria a grande diferença entre Dilma e Serra? Como certa vez um professor nos alertou, fazendo uma alegoria musical, a diferença entre o PSDB e o PT não está partitura. A partitura é a mesma, mas o PSDB é um quarteto de cordas e o PT uma banda de pagode. São questões estéticas que os diferenciam, mas há duas macro-questões que me impedem de dizer que não haverá diferença na condução dos governantes.
A primeira diz respeito ao saber conviver com a democracia. Serra e o PSDB sabem receber críticas e nunca saíram pautando jornalistas ou desrespeitando a constituição em detrimento de suas vontades e nem estão ligados a movimentos internacionais e dirigentes de outros países que ferem direitos civis e humanos. Além disso, nos anos de FHC, as agências reguladoras, órgãos de defesa institucional, foram fortalecidas e de certa forma houve maior fortalecimento institucional geral, o que dá transparência ao governo e ordem com critérios técnicos. Já Dilma e o PT tem suas ligações com líderes da América Latina com enfoque um tanto quanto pitoresco. Ligações internacionais que custaram ao Brasil desgaste desnecessário ao andamento da política externa. Na política interna, desgaste nas mesmas agências reguladoras e nas questões institucionais, criando um novo movimento, o Lulismo. Hoje o Lulismo, que pauta jornalistas, que esmaga a oposição de forma antidemocrática, é muito maior do que o Petismo. O populismo do governo Lula escurece o debate de idéias e fomenta as decisões tomadas no pior tipo de politicagem possível, a dos interesses privados. Os discursos não são claros quanto às suas intenções e contraditórios, estruturados para cada público ouvinte. Lula já foi o rei do etanol, agora o príncipe do petróleo do pré-sal. Dilma não mostra quais são suas idéias, é mais em cima do muro do que os tucanos já foram um dia. Faz defesa do governo Lula sem sequer citar os inúmeros casos escandalosos que inundam o aparelhamento petista do Estado, como se isso não fosse de sua responsabilidade.
A segunda macro-questão se baseia na condução da política econômica e do aparelhamento estatal. Como já citei, no governo Lula, Estado e partido se confundem e há pouca transparência. Os gastos do governo aumentam de tal forma a preocupar os cientistas econômicos quanto ao controle da inflação. Uma crise eminente é alarmada por muitos economistas, mas, se a economia mundial permanecer como está, sem mais crises e sem maiores tropeços, o Brasil deve continuar a crescer pouco e se desenvolver conforme o ritmo atual, que não é lá grande coisa - principalmente se compararmos o crescimento de países como China e Índia. Não se pode dizer que com Serra na presidência as crises não virão. Aliás, muito pelo contrário, as crises não escolhem dirigentes. Mas o ajuste fiscal defendido pelo PSDB parece ser mais apropriado e cauteloso do que o aumento dos gastos público defendido por Dilma. Não se espera uma crise, mas se alguma atitude impopular não for tomada, tanto de Dilma como de Serra, tentando quebrar o tripé econômico hoje formado de altos juros, alta carga tributária e baixo investimento estatal, será o caos em alguns anos. Lula foi relapso a esta situação, herdada também de FHC. Nesse quesito Serra tem mais experiência administrativa e já era crítico destas medidas em 2002. Outra situação que para Dilma e o PT pode custar muito caro é o apoio do PMDB. Nas disputas de cargos e outras políticas, isso pode gerar dificuldades homéricas na realização de ajustes fiscais.
Em suma, para que arriscar a continuidade de governo com maiores riscos de descontrole a um novo que já demonstra saber onde há problemas e que pode ser mais eficiente? Sim, vamos com Serra, pra frente Brasil! Mesmo porque a oposição durante o governo FHC era muito mais aprimorada e as discussões muito mais interessantes... Não vejo a hora de começar a perturbar o governo Serra! O desastre que Dilma pode representar – que tem a mesma possibilidade de dar certo quanto se ganhar na loteria – é muito mais arriscado que apostar em um político que já era a mudança em 2002. Logicamente, a memória fraca do brasileiro não recorda que em 2002, se FHC fosse candidato, também teria ganhado a eleição... O terceiro mandato seria dado pelo povo brasileiro a FHC, que, como defensor da democracia, não avançou neste sentido – o qual Lula quis sim, só não foi à frente porque ainda há oposição. Serra já defendia muitas mudanças fiscais que faziam parte do programa de governo de Alckmin. Lembrem-se na hora de votar: em 2006 o PSDB não foi convincente em apresentar as deficiências de Lula e perdeu uma eleição com um escândalo muitas vezes maior que o que derrubou Collor. Agora, em 2010 há uma candidata que ninguém sabe ao certo quem é e o que pensa, nem muito menos o que vai fazer. Muito diferente de Lula que estava em sua quarta eleição, Dilma não representa nem sequer a maioria no PT, que agoniza sem nomes fortes para a sucessão nos estados e municípios - assim como praticamente todos os partidos no Brasil. Aliás, isso é uma constância no debate político atual.
Por fim, Dilma pode ser eleita a primeira mulher a ser presidente do Brasil. Isso não muda nada, não diz nada e nem sequer está na pauta além da campanha política que nada tem a dizer. A página em branco da capa de Veja na semana passada é realmente algo mais do importante para o Brasil; é o símbolo máximo dessa eleição, em que os candidatos nada dizem a não ser que vão continuar a fazer o que fazem ou faziam.... Nada novo, nada que faça realmente acender uma nova vela de esperança no debate político brasileiro. Cabe aos anos Lula a divisão do Brasil entre ricos e pobres, fomentando a divisão social que custa cada vez mais caro ao contribuinte brasileiro, fazendo com que o Brasil seja ainda um país em que o governo tenha que por a mão em tudo, fazer tudo, tirando do povo brasileiro sua capacidade de agir sozinho. Governos não geram riquezas. Governos não dão empregos. Quem faz isso é a iniciativa privada que é cada vez mais dificultada de se estabelecer por conta da ação da pesada carga tributária quanto da convulsão social desenfreada, como o aumento da violência. Tanto Dilma quanto Serra não vão mudar isso. Em suma, a partitura é sempre a mesma... Dá certa preguiça de publicar este tipo de texto... Defender a candidatura Serra é algo como fazer a barba e cortar o cabelo; a cabeça fica mais bonita, mas continua sendo a mesma...